Quarta-feira, 14/10/2015. 19:10.
O engenheiro esperou que os convivas se
sentassem nos sofás, depois sentou-se no seu cadeirão e foi directo ao assunto:
– Vocês têm falado com ele?
Os convivas entreolharam-se comprometidos
e, num pacto silencioso feito de olhares e acenos, nomearam um deles para
responder.
O nomeado cerrou os lábios, arqueou as
sobrancelhas, respirou fundo pelo nariz e, no fim, disse:
– Todos os dias algum de nós fala com
ele. Eu falei ontem várias vezes. Ele – apontou para a esquerda com a cabeça. –
Ele tem estado com ele quase em permanência. E ela também…
– E nas entrevistas? – interrompeu a Fernanda,
que estava em pé atrás do engenheiro.
Os convivas tornaram a olhar uns para os
outros.
– Ele falou à vontade – reconheceu o nomeado,
encolhendo os ombros.
– Ele tem falado pouco mas quando fala… –
suspirou a Fernanda.
– Sim – disse o engenheiro, apoiando as mãos
nos joelhos. – Ontem abriu o jogo todo à Reuters. Hoje diz que… Como é que ele
disse?
– “É como se estivéssemos a deitar abaixo
o resto do Muro de Berlim” – respondeu a Fernanda, com uma careta.
– Pois. Obrigado. – O engenheiro
levantou-se e repetiu como se discursasse: – “É como se estivéssemos a deitar
abaixo o resto do Muro de Berlim”… O homem está doido ou quê? Quem é que ele pensa
que é?! O Gorbachov, o Kennedy?! Eu está-me a parecer, mas posso estar enganado
e foi por isso que os quis ver pessoalmente, eu está-me a parecer que o homem começou
a acreditar naquilo que vocês lhe têm dito. A acreditar mas a acreditar demais.
– O engenheiro abanou a cabeça e sorriu. – E o pior é que não estou a dizer isto
como se fosse uma coisa boa. Parece-me que o nosso homenzinho está a começar a
ficar cheio de si. Como dizia o Medina Carreira ontem, ele já julga que é alguém,
ou coisa parecida.
O engenheiro calou-se e dirigiu-se ao móvel
onde estavam as bebidas.
– Vocês sirvam-se – anunciou, enquanto se
servia um whisky.
Os convivas anuíram com a cabeça mas não
se moveram.
– E, as últimas vezes que isso aconteceu,
não foi bom para ninguém – concluiu a Fernanda, retomando a conversa.
– Vejam lá a gravidade da coisa que eu
estou a concordar com o zarolho do Medina Carreira, esse velho lúbrico, que só
não me arreia quando não pode.
Os convivas esboçaram uns sorrisos de
conveniência e a mulher justificou:
– O problema foi as conversas com o Bloco
e com o PC, Zé, havias de ter lá estado. Aquilo foi surreal. Se o Marx ou o Lenine
descessem à terra aquela gente não os endeusavam mais do que fizeram ao Costa. Foi
uma coisa sem explicação. Era Deus no céu, com o Marx, o Lenine e o Mao à
volta, e o Costa na Terra: só ele, só ele nos pode trazer a esperança; só ele
pode alimentar as criancinhas; só ele pode devolver o sorriso aos velhotes; só
ele pode dar dignidade aos trabalhadores; só ele… Só ele.
– E não só cá, para eles isto tem condições
para ser um movimento que alastra à Europa, ao Mundo – acrescentou o conviva
que tinha permanecido calado. – Segundo eles, o nosso exemplo, com a maravilhosa
e brilhante liderança do Costa a derrotar a direita e a criar um país novo, tem
tudo para frutificar. Tudo!
– O homem não se pode aturar depois de cada reunião:
incha que parece um balão quase a rebentar.
– Ainda mais? – gracejou a Fernanda, obrigando
todos a rir.
O engenheiro, de costas para a sala a
estudar o movimento circular do whisky no copo, bufou com estrépito, causando o
imediato silêncio na sala.
– É porque, entretanto, com tanta bazófia,
começamos a perder o controlo da situação. Os Páfes estão quase a mandá-lo
pastar, aliás, o Passos já o fez e se fosse eu fazia o mesmo. Uma coisa é engonhar
sem mostrar as cartas, outra é querer engonhar e andar a mostrar as cartas que
se têm e a dizer que se quer jogar é com os outros. Aí já demos o flanco. Ontem, a coisa também tinha se ser muito mais
soft porque tínhamos de desmentir a Catarina e a conversa do fim do governo…
– Que amanhã vai-se encontrar com o
Tsipras – lançou a Fernanda.
– Quem? – perguntou com ar idiota o
conviva que havia sido nomeado para falar.
– A Catarina Martins – respondeu o
engenheiro. – Estão a ver no que é que a pesporrência do Costa vai dar, não
estão? Já anda tudo à vara larga! O Bloco marca encontros secretos com o
Tsipras. O Jerónimo deve ir ligar ao gajo da Coreia do Norte ou ao Putin, sei lá…
– O engenheiro voltou-se para a Fernanda: – Com quem é que esses gajos ainda
falam?
– Podem falar com…
– Não interessa – interrompeu o
engenheiro. – O que interessa é que nos estamos todos a desconjuntar e ainda não
conquistámos nada. Damos tiros nos pés e perdemos pontos sem ser forçados a
isso. Tudo merdas que nos vão dividir, que lhes vão dar força, que nos vão
custar o governo. – O engenheiro tornou a bufar e deixou-se cair no cadeirão, sem
nunca deixar de abanar a cabeça de um lado para o outro. – A Catarina vai-se
encontrar secretamente com o Tsipras, o Jerónimo diz que podemos ser governo
mas, pela conversa, escusamos de contar com ele lá dentro, o Costa quer acabar
de derrubar o Muro de Berlim e a seguir deve ir querer começar a destruir a
Grande Muralha da China ao sopro e vão ver que ainda se vai sair com mais
alguma atoarda depois de falar com o Hollande, esse choninhas… Foda-se! E eu
aqui com uma trabalheira do caralho para, no fim, o Portas se ficar a rir… Nem
falo do Passos que esse, coitado, nem é dos piores. Agora o Cavaco, o Portas… O
Portas outra vez para o governo? Foda-se… O gajo que anda todo borriti e parece que até já tinha começado
a ensaiar a gaivota voava e no fim, safa-se por causa da parvoíce do Costa? – O
engenheiro soprou, desalentado. – Mas que país é este, pá? Mas que políticos temos
nós? Em quem, digam-me lá, em quem é que se pode confiar?