quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O Jantar

O Jantar

– Não penses mais nisso – disse a mulher, sorrindo enquanto lhe passava os dedos pelo cabelo.
Ele, que tinha a cabeça pousada no colo dela, olhou para cima, suspirou e sorriu de volta.
A mulher baixou a cabeça, esperou que ele subisse a sua e beijaram-se.
– Não é justo, Adriana – queixou-se ele, quando tornou a pousar a cabeça. – Não é justo.
– As coisas são o que são, Mário.
– Eu não comi nada – lamentou-se o homem –, nem ontem, nem anteontem.
– Comeste hoje – respondeu Adriana, com um sorriso cheio de segundas intenções.
– Estava a trabalhar – disse ele, sem notar o sorriso.
– E trabalhaste bem…
– Eu não estava a falar disso – reclamou o homem, com ar sério. – Eu estava a falar de comer comer. Do almoço. Hoje almocei porque estava a trabalhar.
– Eu sei.
– No sábado e no domingo não comi nada. Não almocei, nem jantei.
– Oh… coitadinho. – A mulher fazia por esconder um sorriso trocista mas os olhos, brilhantes de gozo, denunciavam-na.
Ele ergueu o tronco e sentou-se ao lado dela e, sempre com o mesmo ar sério com que antes reclamara, fechou os botões da camisa que estavam abertos, passou a mão pelo cabelo para se compor e levantou-se, enfiando as fraldas da camisa nas calças, abotoando-as e fechando o cinto.
– Vais-te já embora? – perguntou a mulher, olhando para o relógio de pulso.
– Vou. – Respondeu secamente o homem, baixando-se para atar os sapatos. Atou o sapato esquerdo e, como se fosse afligido por um súbito escrúpulo, justificou: – Quero chegar a casa antes dela começar a fazer o jantar. Sempre quero ver se ela não me vai fazer comer outra vez.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Oh Céus!

– O que é isto, Ramiro?
– Célia?... Olá, Célia, boa tarde.
– Qual boa tarde, qual carapuça! Que porcaria é esta?
– Qual porcaria?
– Esta, no Facebook. Estas fotografias. Que parvoíce é esta?
– És tu.
– Pois, isso estou eu a ver… O problema é porquê! Porquê agora? O que estou eu aqui a fazer?!
– Não sei, não sei o que estás a fazer agora.
– O quê?!
– Não sei o que estás a fazer agora.
– Não estou a perceber. Não sabes?
– Estás a falar comigo ao telemóvel?
– A falar contigo ao telemóvel?
– Não me perguntaste o que estavas a fazer?
– Perguntei-te o que estou ali a fazer, no Facebook, não é o que estou a fazer agora… Bolas!
– Estás numa fotografia.
– Cinco!
– Estás em cinco fotografias…
– E tu achas isso normal?!
– Não estou a ver qual seja o problema.
– …. Não estás a ver?!
– Não, se queres saber a verdade, não estou a ver. Qual é o problema?
– O problema?!... Olha… Se não percebes, o problema és tu. Nem são as fotografias, nem o Facebook, nada! O problema és tu, que, ainda por cima, puseste-me ali e agora obrigas-me a estar aqui.
– Obrigo-te a estar aí?... Eu nem sei onde é que tu estás…
– Puseste-me a falar contigo, bolas! Obrigas-me a falar contigo… mas isso não interessa, o que interessa é aquilo. O que é aquilo, Ramiro?! Mas que porcaria é aquela?
– Somos nós.
– Éramos nós.
– Somos nós!
– Nós já não somos nós, ponto e nós já não somos aqueles, ponto final parágrafo. Tu és tu e eu sou eu. E não percebo qual é o interesse de agora pores fotografias de nós juntos.
– Nós estávamos juntos, ponto. Aliás, podes dizer o que quiseres mas aqueles somos nós, ponto. Somos nós, vírgula, tu e eu, vírgula, os dois, ponto. E agora estamos a falar, os dois, tu e eu reticências…
– Não, ponto final, eu já não estou.
– E vais pôr um gosto?
– Um gosto?
– Nas fotografias.
– Achas?! Para quê, para alimentar a tua demência? Eu já não estou a falar contigo. Vou desligar.
– Podias pôr um gosto… Era o mínimo, nem que fosse por uma questão de respeito.
– Respeito?! Respeito, pelo quê?
– Por nós.
– Não há nós, foda-se, Ramiro!
– Não precisas de ser descortês. Acho que conseguimos falar sem dizer asneiras.
– Descortês?! Ó pá, foda-se, não me lixes… Se achas que eu fui descortês, eu quero ser descortês ao máximo. Eu quero elevar a descortesia até ao infinito. Eu quero que tu te fodas! Eu nem quero ser descortês, eu quero ser mesmo malcriada. Muito malcriada. Adeus, Ramiro, e vai-te foder!
– Célia! Olha os meninos…
– Quais meninos?
– O Roberto e o Rodrigo, eles estão aqui no carro comigo e estão a ouvir a nossa conversa… Digam olá à Célia, meninos.
– Olá, Célia!
– olá…
– Digam à Célia para por um gosto no Facebook do pai.
– Sim, Célia, é o mínimo.
– Quem é que está a falar?
– Sou eu, o Roberto.
– Ah… Olá, Roberto. E é o mínimo porquê, Roberto?
– Porque gritaste com o pai e mandaste-o a sítios feios e ele só pôs uma fotografia vossa no facebook.
– Cinco, Roberto, ele pôs cinco fotografias nossas no Facebook… E eu não o mandei a sítios, Roberto, são actos, coisas que se fazem ou, no caso, que eu gostava que acontecessem ao teu pai… Ele explica-te. Eu agora tenho de desligar.
– E vais pôr um gosto?
– Não, Roberto, não vou… O teu irmão também nos está a ouvir?
– Está.
– Adeus, Rodrigo.
– E nós, também queres que nos vamos foder?
– Não, claro que não, Rodrigo, a conversa era só com o teu pai. E desculpem-me por ter dito asneiras. Isso não se diz. Desculpem-me.
– A mãe diz que, às vezes, justifica-se, Célia. Quando tem de falar com o pai, às vezes, também diz asneiras.
– Pois… Obrigado, Rodrigo. Adeus.
– Ah… mas eu não acho que no caso se justificasse.
– Eu não quero falar contigo, Rodrigo.
– Ah… Queres que eu me foda.
– Sim, basicamente, sim.
– Está bem. Tipo, isso é exactamente o que me vai acontecer depois de uma infância destas…
– E a lidarmos com adultos todos marados, mano.
– Pois, tipo, daqui a uns tempos temos as cabecinhas todas lixadas…
– Não, vocês…
– Adeus, Célia.
– Adeus, Célia.
– Ah… Adeus, meninos.
– Depois falamos…
– Não há depois, Ramiro, foda-se (desculpem-me, outra vez, meninos) não percebo o que é que ainda não percebeste. Passa à frente, pá. Avança. Segue.
– Está tudo parado.
– Tipo, estamos numa fila do pénis, Célia! Isto não anda para lado nenhum.
– Rodrigo!
– Tipo, aqui justifica-se…
– E pénis não é uma asneira.
– Eu tenho mesmo de desligar…
– E pões um gosto?
– Oh céus!.. Ponho, ponho, estejam descansados. Eu ponho um gosto!