O Costa encostou-se à janela a olhar para a rua. Cruzou os braços,
descruzou-os e passou as mãos pela face, esfregando os olhos. Após uns momentos
de reflexão decidiu voltar-se para o interior.
– Não vale a pena – disse o Galamba, peremptório.
– O quê? – inquiriu o Costa, virando as costas à janela.
– Virar-mo-nos para o interior – respondeu o Galamba. – Há pouca gente,
poucos votos.
O Costa olhou para ele como se o estivesse a ver pela primeira vez e
perguntou:
– Mas quem é que disse que nos íamos virar para o interior?
– Diz ali – apontou o Galamba.
O Costa olhou para ele outra vez como se o estivesse a ver pela
primeira vez e explicou:
– Aquilo é o narrador a dizer que decidi voltar-me para dentro da
sala, João. O interior é a sala.
– Ah… – O Galamba não parecia convencido e tornou a ler a frase. – É
capaz, mas também se pode ler que te decidiste virar para o interior – teimou.
O Costa encolheu os ombros e encaminhou-se para o seu lugar, sem lhe
ligar.
Ressentido, o Galamba engoliu em seco, respirou fundo e insistiu:
– Também se pode ler que estavas a reflectir e decidiste aprofundar
essa reflexão interior.
O Costa abanou a cabeça, desesperado.
– E porque é que havia eu de cometer esse erro? – resmungou, já no seu
lugar, no topo da mesa, mas sem se sentar. – Achas que isso me dá alguns votos,
João?!... Uma introspecção?
– Acho que uma introspecção nunca fez mal a ninguém – replicou o
Galamba, sem convicção. – Eu, pessoalmente, nunca fiz nenhuma – hesitou. – Quero
dizer, tipo, eu acho que nunca precisei mas… um líder.
O Costa deu uma gargalhada. O Galamba encarou-o com um sorriso
forçado.
– Havia de ser bonito… – disse o Costa, todo sorrisos. – E dizia o quê,
João: Prometo que, se for primeiro-ministro, paro para pensar? Que, quando for
primeiro-ministro, faço introspecções periódicas? Ou que, se for
primeiro-ministro, me avalio e avalio o que ando a fazer? – A sala ria com o
líder. – Achas que alguém acreditava, João? Achas?
O Galamba abriu um sorriso bovino e assentiu com a cabeça.
Satisfeito, o Costa sentou-se.
– Se é para continuar a prometer coisas à parva, ao menos que sejam
coisas minimamente verosímeis, João. Minimamente… agora, introspecções… – O
Costa deu uma gargalhada e concluiu absolutamente divertido e deliciado consigo
próprio: – E ia olhar para o meu interior, para o ver o quê? Para ver o quê?
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