José soprou,
rosnou, resfolegou e riu. Depois, pegou no telemóvel
e ligou:
– Eu não chamei
filho da mãe a ninguém – disparou José logo que reconheceu a voz feminina que o
cumprimentara.
– Bom dia,
engenheiro – repetiu a voz feminina, certa que o homem não a ouvira da primeira
vez.
– Só se for para
si, Clara – replicou José, com secura.
– Já viu a prova
da entrevista? – perguntou Clara, adivinhando a razão do telefonema.
– Do texto –
corrigiu José. – Já, já vi. É por isso
que lhe estou a ligar – reconheceu e, de pronto, reincidiu: – Eu não chamei
filho da mãe a ninguém!
A voz feminina
trinou num riso forçado.
– Nisso tem
razão, engenheiro, o senhor não chamou filho da mãe a ninguém…
– Nem chamei
bandalho ao Santana.
– Pois não –
apressou-se a concordar a voz feminina –, também não foi bandalho o que chamou
ao Santana.
O estado de
espírito de José mudou com a rapidez com que Clara lhe dera razão.
– Podia ter-lhe
chamado bandalho – admitiu José, com bonomia. – Se quer saber a verdade, já nem
me lembro o que é que lhe chamei… O que é que eu lhe chamei?
– Ó engenheiro…
– Clara lançou um risinho pueril. – Há palavras que não ficam bem na
boca de uma senhora…
José deu uma
gargalhada.
– Uma senhora… Essa é boa! E aquilo que me disse no fim do almoço?!
– Uma senhora… Essa é boa! E aquilo que me disse no fim do almoço?!
– O que se diz
no fim dos almoços… – Clara fez uma pausa procurando ser mais engraçada e
original, mas, antes que perdesse o tempo da piada, concluiu: – O que se diz no
fim dos almoços, fica no fim dos almoços.
José riu com
espalhafato.
– E de resto? –
perguntou Clara, aproveitando o bom-humor do engenheiro.
– Está
excelente. Está muito bem.
– E os filhos da
mãe e os bandalhos e…
– Podem ficar
assim – interrompeu José, divertido.
– Tem a certeza? – Troçou Clara. – Não quer que
coloquemos os exactos termos que usou?
– É melhor não…
– José riu. – Nem sei se podiam pô-los. – José deu duas gargalhadas cheias de
si próprio. – De qualquer maneira, assim até é melhor, se for preciso, eu posso sempre dizer que
vocês alteraram e deturparam aquilo que eu disse.
– Mas eu tenho a
gravação… – respondeu Clara no mesmo tom divertido e amigável.
– E ainda bem,
Clara, ainda bem que a tem: assim não me pode desmentir se eu disser que não usei aqueles
termos. – José continuava a falar no mesmo tom animado. – Não os usei, pois
não?
– Não, na
realidade, o engenheiro não usou os termos que vamos publicar – Clara respondeu no mesmo tom descontraído mas algo não lhe soou bem, o que a levou a usar o plural e um tom quase subserviente ao concluir: – mas nós podíamos mostrar a
gravação original…
– Podiam – aceitou José, ainda em tom jocoso –, poder
podiam mas não era a mesma coisa. – José não se riu da sua graça e Clara ouviu-a como um mero interlúdio para o que o engenheiro ainda lhe ia dizer. Então, após o necessário momento de silêncio dramático, José explicou sussurrante: – E não era a mesma coisa porque eu também tenho uma gravação igual à sua,
Clarinha. Igualzinha... Só que a minha não acaba no fim do almoço… – José estalou a língua e
inspirou ruidosamente como se lhe custasse o que ia dizer e, após expirar pelo nariz, concluiu ainda sussurrante mas em tom mais grave: – Foi uma pena não termos ido almoçar a Las Vegas, Clara, uma grande pena. É que sabe o que dizem não sabe? – Clara não lhe respondeu. José continuou, melífluo: – Claro que sabe, até faz piadas sobre isso. O que se diz no fim dos almoços em Las Vegas, fica em Las Vegas, agora o que se diz no fim dos almoços em Lisboa pode-se ficar sempre a saber... E muitas vezes sabe-se. E isso é uma chatice, Clara. Um grande incómodo, realmente...