quarta-feira, 28 de maio de 2014

António José Seguro/António Luís Costa. A Reunião.

A porta abriu-se. António José disse, “Entra, António, entra” e fez sinal para que ninguém o acompanhasse.
António Luís fez uma vénia com a cabeça, despedindo-se dos camaradas que ficavam à porta, e entrou.
António José levantou-se mas permaneceu atrás da secretária. Não sorria.
António Luís entrou a sorrir e estendeu a mão quando se aproximou da secretária atrás da qual António José parecia barricado. António Luís constatou o facto de o seu interlocutor parecer um animal acossado. “0-1”, pensou.
António José esperou até ao último momento socialmente aceitável para estender a mão e responder ao cumprimento. Gostou de ver o sorriso de António Luís vacilar quando, por um instante, duvidou que ele lhe respondesse ao cumprimento. “1-0”, contabilizou.
Quando apertaram as mãos, ambos sorriam.
– Queres ir para o sofá? – perguntou António José, depois dos cumprimentos e da conversa de circunstância.
António Luís olhou para os sofás, para a mesa de reuniões, para as cadeiras que o ladeavam em frente à secretária que os separava e, por fim, anuiu com a cabeça.
António José saiu de trás da secretária e com um gesto magnânimo indicou o sofá onde António Luís se devia sentar. Sofá que tinha mandado ir buscar à arrecadação para onde tinha sido enviado por ter molas que se espetavam em quem nele se sentava. António José ria para dentro.
António Luís sentou-se e sentiu de imediato as consequências.
– Leste a Guerra dos Tronos, Tó-Zé? – perguntou António Luís, levantando-se, com cara de poucos amigos.
– Deves querer dizer As Crónicas de Gelo e Fogo, António, de que A Guerra dos Tronos é o primeiro volume – corrigiu António José.
António Luís anuiu e insistiu:
– Leste?
António José abanou a cabeça negativamente e replicou:
– E tu?
– Também não – admitiu António Luís, passando a mão pelo assento irregular do sofá. – Mas sei que o Trono de Ferro, o trono dos Sete Reinos, também é como este sofá que me deste: doloroso e traiçoeiro. Que não nos deixa estar sentados confortavelmente. Mas – António Luís tornou a sentar-se –, ainda assim, é um trono, um trono com tudo o que isso representa.
António José, de pé, ouviu-o com um sorriso cínico e, quando o viu sentado com ar sofrido mas estóico, contra-argumentou:
– E tu, qual Tyrion Lannister, tudo farás para te sentares nele, mesmo que o trono te rasgue as calças e as cuecas e te possa até sodomizar.
Perplexo e escandalizado, António Luís levantou-se, bufando.
– O Tyrion Lannister é um anão disforme e sádico…
– E parricida – acrescentou António José.
– Mas um bom governante – completou António Luís antes de se calar perante o ar de imbecil superioridade com que o outro o olhava. – Parricida?! – Deixou escapar.
– Sim, o Tyrion mata o pai, o Tywin Lannister – António José falava com displicente sobranceria – e mata-o noutro trono, curiosamente, num que te ficava melhor, meu caro. Bem melhor.
António Luís engoliu em seco e, com a certeza que a referência ao trono onde a personagem fora morta era uma armadilha, refreou a curiosidade.
– Eu não vim aqui para falar de livros ou de séries de televisão, Tó-Zé.
– Não?
Não.
– Tu é que falaste na Guerra dos Tronos – retorquiu António José, impassível.
– Pois fui – António Luís continha-se a custo, a postura e a expressão de António José estavam a deixá-lo à beira do descontrolo. – Mas isso agora não interessa nada. Eu vim aqui para te dizer pessoalmente que pretendo avançar para secretário-geral, como sabes, e que pretendo que convoques um congresso com esse fim.
– Queres que eu convoque um congresso com o fim de te entronizar? – António José abanava a cabeça com desdém. António Luís espumava. O secretário-geral concluiu: – É isso? É isso, não é?... Queres que eu convoque um congresso para te entregar o trono de mão beijada. Para surfares a vaga de fundo. Achas-te uma espécie de McNamara no canhão da Nazaré e eu… Eu sou o tipo da mota de água, o tipo que carrega as pranchas, que te vai buscar à praia e que te deixa no sítio certo para surfares a onda... Sim, senhor. É isto, não é? – António José estendeu a mão a António Luís, que a agarrou. – A tua posição e pretensões estão registadas, António. Se não for mais nada, eu tenho mais o que fazer. Até um dia destes.
Os homens soltaram as mãos. António Luís encaminhou-se para a saída. António José ignorou-o e voltou à secretária.
António Luís já segurava a maçaneta da porta quando se virou para trás e disse:
– Tu não tens o que é preciso para surfar ondas gigantes, Tó-Zé – Rodou a maçaneta e esboçou um sorriso cínico. – Aliás, se queres saber, nem a guiares motas de água és bom, pá. Nem isso… – Abanou a cabeça com desdém e saiu.