quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O Almoço Dulcineia


– Isto é como uma ocupação – gracejou Paulo.
– É – concordou Pedro, rindo. – Vamos ocupar o Santa Maria!
– Isso é premonitório – disse José, sério. – O antigo regime começou a cair por aí. Pelo assalto ao Santa Maria!... Foi um bocado antes do tempo – ponderou o filósofo  mas com a aceleração dos nossos tempos, os onze anos de há cinquenta anos...
– Treze  – corrigiu Pedro, como se pedisse desculpa.
– Ou treze – José encolheu os ombros desvalorizando o pormenor. – Os treze anos dessa altura agora são um mês ou dois. Assaltamos hoje o Santa Maria e sabe-se lá o que acontecerá daqui a uns dias!
– E também já temos lá os nossos infiltrados – acrescentou Pedro.
– O Galamba e o Sousa Pinto já chegaram? – perguntou José, desconfiado.
– Já – respondeu Pedro. – Já chegaram e já ocuparam os seus lugares…
– Estamos totalmente prontos para dar início às hostilidades – interrompeu Paulo, em tom marcial.
José estacou, fez uma careta de aborrecimento, cerrou o punho direito que ergueu ligeiramente com o braço num ângulo de noventa graus e cruzou o ar em frente ao peito com o punho cerrado num gesto teatral que os outros, parados a contemplá-lo, acompanharam com expectativa.
– Se eu me tivesse lembrado… – censurou-se José. Pedro e Paulo entreolharam-se sem perceberem nada. – Isso é que tinha sido! – riu-se José e recomeçou a andar. Os dois homens seguiram-no como sempre faziam.
Três passos depois, Pedro encheu-se de coragem e perguntou:
– Se te tivesses lembrado de quê?
José parou e olhou-os com ar de animal feroz. Os subalternos encolheram-se.
– Vocês, minhas andorinhas, é que se deviam ter lembrado – disse José, em tom grave e sério, que enregelou os dois “andorinhas” até aos ossos, mas que acabou num inesperado sorriso (o vento frio que vinha do mar parecia que lhe fazia cócegas e dispunha-o bem; o velho ar apalermado e aflito de Pedro e Paulo fez-lhe lembrar bons tempos e também isso lhe quebrou a simulada seriedade). Os dois homens sorriram em resposta e José continuou em tom de gracejo: – Ou pelo menos o Galamba… Sim, isso era coisa que o Galamba dos bons tempos se havia de lembrar. Vocês são demasiado… – José hesitou na escolha da palavra e olhou-os com ternura, que os dois homens sentiram como uma bênção. – Vocês são demasiado hirtos para pensarem numa provocação dessas. – José abriu os braços e pô-los sobre os ombros dos dois homens, que se queixavam silenciosamente do vento marítimo para justificar os olhos marejados de lágrimas e o nó na garganta que sentiam, e puxou-os reiniciando a marcha.
– À abordagem, meus piratas – gritou José. – Hoje não se fazem prisioneiros! Não há carabineiros, nem lagostas, nem nada que venha para a mesa que nos escape! Vai ser a rapar até ao fundo!
– Como nos velhos tempos – suspirou Paulo, limpando a vista direita com as costas da mão.
-- Como nos velhos tempos -- repetiu Pedro, num murmúrio lacrimejante mas cheio de esperanças. 

1 comentário :

Teresula disse...

Bem Doutor, que descrições fantásticas.
A forma como faz descrições do seu mundo... é brutal!