terça-feira, 31 de maio de 2016

Cosidos


Briefing entre António Costa e Augusto Santos Silva, respectivamente, Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, a chegar ao fim [o briefing, não Portugal (espera-se)]:

– Ah e já me esquecia: o Marcelo vai ter uma estátua.
– Qual Marcelo?
– O Presidente.
– O Marcelo vai ter uma estátua?! O homem ainda nem é presidente há três meses, como é que é isso?!
– O Obama ganhou o Nobel da Paz e nem era presidente há um ano, António.
– Mas o Obama é nosso, Augusto, é de esquerda. Foi merecido. Agora o Marcelo, uma estátua?!
– A estátua é de cera.
– De cera?! De cera, Augusto?! O Marcelo vai ter uma estátua de cera?
– Sim, de cera.
– Onde?
– Em Madrid, no Museu de Cera de Madrid.
– Uma estátua de cera… Isso era bom era para o Cavaco. O Cavaco ficava bem no Museu da Madame Tusseau na parte do horror. Isso é que era. Mas porque é que raio o Museu de Cera de Madrid quer uma estátua de cera do Marcelo, são doidos?
– Dizem que é para poupar nas fotografias, como ele nunca pára quieto os fotógrafos queixam-se que as fotografias ficam sempre tremidas.
– Ah… Ó Augusto poupa-me, pá, isso só tinha graça se as máquinas ainda tivessem rolo. Estavas a mangar, era?
– A mangar?
– A gozar, pá, estavas a gozar, não era? O Marcelo não vai ter nenhuma estátua, pois não?
– Vai, António, em cera, no Museu…
– De Cera de Madrid, já me tinhas dito. E vai ter um pavio no cocuruto da cabeça para se poder acender? Se tiver eu vou lá acender a vela.
– É uma homenagem ao nosso Presidente, não me parece bem que o Primeiro-Ministro queira queimar o Presidente.
– Vai-te lixar. Vais lá tu?
– Acho que não é preciso. Acho que não é preciso ir ninguém de nós.
– Achas que o gajo no meio da sua hiperactividade se acende a si próprio? Que é ele é que se vai queimar?
– Podia acontecer, António, podia acontecer mas acho que também não vai ser ele a acender o pavio, eu acho que o Passos já deve ter os fósforos a jeito. O homem se pudesse derretia-o todo.
– Já o Churchill dizia que no outro lado do Parlamento estavam os adversários mas que os verdadeiros inimigos estavam ao seu lado, eram do seu partido.
– O Seguro queixou-se do mesmo.
– O Seguro era um choninas, Augusto, um choninas. Adiante. Mais alguma coisa?
– Ainda não sei o que vão eles fazer ao Cavaco.
– Quem?
– O Museu de Cera de Madrid, o Aníbal também lá tem uma estátua.
– Dele?
– Sim.
– E eu?
– Tu o quê?
– Porque é que ninguém faz uma estátua de mim?
– Também querias ser uma vela gigante?
– Eu, pelo menos, segundo alguns comentadores de carregar pela boca, já tenho experiência em arder em lume brando.
– Cozer.
– Coser?
– Não é esse coser, é cozer. Já tens experiência em cozer em lume brando.
– Arder é igual mas também podia ser coser, eu estar a coser com um lume brando, porque é que não podia ser?
– Porque não és tu que estás a coser, estás a ser cozido, António, o homem diz que estás a ser cozido em lume brando. Não estás a coser ao lume, és alguma velhinha?
– Eu dou-te a velhinha! Eu estou é a cosê-los a todos. A coser tudo. Achas que tenho cosido pouco?! Coso aqui, coso ali e quando dão por isso já estão todos cosidos uns aos outros, ninguém se solta! Só eu é que domino as agulhas. Tudo cosido e todos cozidos. Bem podem arranjar velas gigantes que, quando eu acabar, vão precisar de muitas velas para acender! Ó se vão…


segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Vaca que Voa

– E a vaca, doutora?
– Qual vaca?
– A vaca que voa. A que eu lhe dei no outro dia.
– Não me deu a mim.
– Não?...
– Não, foi à doutora Maria Manuel.
– Maria Manuel?! Quem é a doutora Maria Manuel?
– A senhora Ministra da Modernização Administrativa.
– Manuela.
– Manuel, senhor Primeiro-Ministro.
– António.
– António, o quê?
– Eu sou António, não sou Manuel.
– Ah!... Sim, eu sei. Não era isso. Eu estava a confirmar-lhe que a minha colega da Modernização Administrativa é Manuel não é Manuela.
– Pois… E a vaca?
– Não sei, senhor Primeiro-Ministro, tem de lhe perguntar a ela.
(sussurra) – Qual é?
– Não percebi, desculpe.
(sussurra) – A ministra da vaca, qual é?
– Ah… (sussurra) É a colega que está a olhar para nós.
(olha em volta e volta a sussurrar) – Estão duas.
(sussurra) – Não é a Dra. Van Dunem.
– É a outra!
– Pois.
– Manuel?
– Maria Manuel.
– E a doutora?
– Eu?!
– Sim. Também é ministra?
– Não, vim só cá ver se o senhor Primeiro-Ministro ainda tinha vacas voadoras para dar.
– Ah. Essa é boa… Mas olhe que a vaca não voa, tem uma guita. Um cordel.
– Não me diga…
– Ai isso é que digo. Se não se agarrar pelo cordel a vaca estatela-se no chão.
– Não me diga isso, senhor Primeiro-Ministro.
(dá uma gargalhada) – É verdade… A vaca tem asas mas não voa. Onde é que já se viu uma vaca voar?
– O senhor Primeiro-Ministro é que disse.
– Não se pode acreditar em tudo o que um primeiro-ministro diz, senhora doutora. A senhora acredita?
– Em si?
– Sim, sim, em mim. Imagine que eu sou primeiro-ministro e digo que é possível as vacas voarem, a senhora acredita?
– É difícil de acreditar.
– Não esteja a brincar, acredita ou não?
– Acredito, se o senhor é primeiro-ministro, e é, e diz que as vacas podem voar, eu acredito. Além do mais, o senhor é o meu primeiro-ministro e nós somos socialistas. Estamos sempre prontos a acreditar.
– Isso é verdade. É isso é que nos diferencia da direita, nós acreditamos que é possível. Nós acreditamos que as vacas podem voar…
– Desde que tenham um cordel.
– Naturalmente, naturalmente. (ri) Somos socialistas mas não somos completamente malucos, senhora doutora. Se bem se lembra, o Kennedy, em 62, também disse que os americanos iam chegar à Lua antes do fim da década e houve quem não acreditasse mas, no entanto, chegaram.
– Acreditaram.
– Pois, acreditaram. Os americanos acreditaram e chegaram à Lua e nós e as vacas é quase a mesma coisa.
– Estou a ver. O senhor Primeiro-Ministro quer que seja um desígnio nacional pôr as vacas a voar.
– Não, não somos malucos, lembra-se? Eu só quero pôr os portugueses a acreditar que é possível as vacas voarem. Se elas voam ou não isso é um problema delas.
– O que o senhor Primeiro-Ministro pretende é que as pessoas acreditem que se fossem vacas, podiam voar.
– Exactamente! É isso mesmo! (entusiasma-se e fala alto para todo o Conselho de Ministros) Eu quero que a senhora e todas as senhoras presentes acreditem que se forem vacas podem voar.
– E os senhores?
– Os senhores?
– Sim, também podem voar?
– Podem, claro que podem. Os homens também têm de acreditar que se forem bois também podem voar!
– Manadas…
– Manadas?
– De bois e vacas a voar por aí.
– Em sentido figurado, senhora doutora, em sentido figurado. O importante é acreditar que se pode voar, quer se seja uma vaca ou um boi. Como se dizia na canção, temos de acreditar que, como as vacas e os bois, somos livres, somos livres de voar.
– Era uma gaivota.
– Eu sei que era uma gaivota, senhora doutora, mas a gaivota não precisa de acreditar que pode voar, ela voa. Já as vacas…
– E os bois.
– Pois. Já as vacas e os bois, temos de ser nós, o Governo, o Partido Socialista, a esquerda, os que acreditam e não deixam de sonhar com os amanhãs que cantam…
– Esses são os comunistas…
– Não me interrompa! Já as vacas e os bois temos de ser nós, os que acreditam e não deixam de sonhar com os amanhãs que cantam, que os temos de fazer acreditar que é possível voar. Contra os velhos do Restelo, contra a direita reaccionária, contra a direita dos aziados, mesmo contra aquela esquerda que teima em que vamos contra a parede, contra tudo e contra todos, havemos de pôr os portugueses e as portuguesas a acreditar que, se fossem bois ou vacas, bastava-lhes abrir as asas para voar!
(o Conselho de Ministros ergue-se de um pulo numa portentosa aclamação)