quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O Véu

Passei o tempo todo atrás dela. A máquina fotográfica mudou-a, deu-lhe uma energia inesgotável. Subíamos, descíamos, entravamos, saíamos. Não parávamos mais do que o tempo necessário para focar e tirar a fotografia. As fotografias. Na verdade, não víamos nada, não conhecíamos ou apreendíamos o que quer que fosse dos lugares que ela fotografava. Às vezes, chamava-me e punha-me ao seu lado, esticava o braço e tirava-nos uma selfie. Levantava ou baixava o braço para apanhar o que ficava por trás de nós mas nunca me perguntou se eu estava a gostar ou se queria assim ou de outra maneira. De vez em quando beijava-me nos lábios antes de continuar mas fazia-o como se me felicitasse pelo meu bom comportamento; como quem afaga um cão obediente. Eu seguia-a e ia vendo, a custo, o que conseguia. Gostei particularmente de Ronda. Da ponte, das esplanadas, da praça de touros e das vistas. Das pessoas e do movimento. De me apontarem e de erguerem o polegar com um sorriso cúmplice enquanto olhavam para o véu. Alguns tinham de olhar em volta à procura da noiva e encontravam-na sempre a fotografar ou à procura de motivo para o fazer. Eu continuei atrás dela. Sorri quando foi preciso e dei-lhe água e mantimentos. Reabasteci a mochila e assegurei-me que o véu estava bem atado. Sempre. Estava permanentemente atento e nunca lhe faltou água fresca, um chocolate, uma barra energética ou um sorriso nas selfies. E o véu correu meia Europa sem se rasgar, nem se perder. À noite víamos as fotografias e ela passava-as para o portátil e adormecíamos de exaustão.
No fim, acho que a lua-de-mel foi boa, muito boa e temos o véu, a mochila e milhares de fotografias de lugares onde, realmente, não estivemos, nem conhecemos, o que, provavelmente, também não faz diferença nenhuma.
Ah… e agora que já passaram quase dois meses e estamos mais descansados, julgo que um dia destes consumamos o casamento.