quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Reis

– E agora?
– Agora, o quê?
– Vamos embora?
– Sim… Acho que sim. Estamos despachados.
– Pois… mas parece-me que falta qualquer coisa.
– Um camelo?
– Roubaram-te um camelo, Gaspar?
– Não, não me roubaram camelo nenhum.
– Já os contaste?
– Não mas…
– Então, pode-te faltar um camelo, bro!
– Pode mas isso não interessa nada, Baltazar. Eu não estava a falar de bens materiais.
– Mesmo que seja o Bobi?
– Mesmo que seja o Bobi, o quê?
– Não te interessa nada mesmo que seja o Bobi que te tenham roubado?
– Tipo, roubaram-lhe o Bobi?
– Não, Baltazar, não me roubaram o Bobi.
– Mas viste-o? Viste-o?
– Eu vi-O. Vi-O… Vi-0 e dei-lhe um frasco de incenso.
– Eu estava a falar do Bobi.
– Claro que não vi o Bobi, pá, se estamos a sair daqui agora.
– Então não sabes se to roubaram…
– Não, não sei, Belchior.
– E?
– E, sim, Belchior, importava-me muito que me roubassem o Bobi.
– Ah!... Estás a ver. Não sei porque é que reprimes os teus sentimentos, Gaspar. É claro que te importavas se te roubassem o Bobi.
– Mas, afinal, tipo, roubaram-lhe o Bobi ou não?
– Não sabemos, Baltazar, mas não é isso que está em causa.
– Nã0?
– Não, o que está em causa é que cumprimos a nossa missão e, no entanto, o Gaspar sente que lhe falta qualquer coisa. Qualquer coisa que ele não sabe ou não consegue expressar.
– Cuecas?
– Cuecas?! Porquê cuecas, Baltazar?
– Tipo, a mim é o que me falta, mas se vocês não puxassem a conversa eu também não tinha coragem de me expressar. Estou todo assado mas parecia-me que não era o sítio e o momento para falar disso, estão a ver?... No entanto, a mim é o que me falta. Vocês, por acaso, ainda têm algumas?
– Eu não uso. Enrolam-se todas quando ando de camelo.
– E tu, Gaspar, bro?
– Eu tenho dois pares lavados.
– Tens?! Além das que tens vestidas?
– Sim.
– Mano!... Emprestas-me umas?
– Lavas?
– Lavas?
– Se as lavas depois de as usares.
– Às cuecas?!
– Sim, o que havia de ser?
– Não. As cuecas não se lavam. Isso é, tipo, nojento. Quem é que usa cuecas usadas?
– Eu, depois de as lavar.
– Blargh!.. As cuecas usam-se um mês ou dois e depois deitam-se fora. Ninguém lava cuecas, mano. Isso é contrário a todos os mandamentos. Todos.
– É preferível andar com as túnicas ca… encardidas?
– Claro que sim, cagadas mesmo. Agora cuecas lavadas, bacano?... Não estás bem a ver… Isso é qualquer coisa para lá de tudo o que se conhece e aceita, meu.
– Desculpem lá, podemos passar à frente e esquecer as cuecas? É que o carpinteiro ainda está ali a olhar para nós. Vamos andando. Já vimos isso ali à frente.
– Tipo, eu não quero ver nada.
– Digam adeus.
– Adeusinho, José! Vida longa e próspera para o Emanuel.
– Obrigado. Obrigado por terem vindo. A Maria depois escreve-vos a dar notícias.
– Adeus, bacano. Muita sorte para o pequeno!

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