sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Da implantação de uma república

Ela olhou para ele com tristeza. Ele devolveu-lhe um sorriso mais comprometido do que triste.
– Nunca percebi – começou ela, pausadamente, escolhendo as palavras e proferindo-as com uma certa solenidade defensiva. – Nunca percebi como é que deixaste de ser o rei…
– O rei, eu?! Rei de quê? – Ainda que soubesse que ela se ia explicar, ele interrompeu-a porque precisava de falar, de dizer alguma coisa; de se ouvir.
Ela sorriu com o mesmo ar triste mas um pouco mais desconsolado.
– E também nunca percebi isso – replicou ela, com um brilho decidido no olhar –, essa necessidade de me interromperes; de não esperares que as coisas sejam ditas. De quereres controlar o conteúdo e o ritmo das conversas.
Ele olhou para ela e não disse nada só para a contrariar.
Ela continuou:
– Se não me interrompesses e me ouvisses, ias perceber de que eras rei e do que estava eu a falar e depois, já nem digo no fim, depois de teres percebido isso…
– Foi só uma pergunta.
Ela assinalou a interrupção com uma careta e concluiu:
– É sempre só uma pergunta ou um comentário, como agora, mas a verdade é que não me deixas seguir com os meus raciocínios até ao fim: e isso é… – ela fez uma pausa para escolher a palavra.
– Chato – sugeriu ele, antecipando-se sem, sequer, um sorriso.
Ela olhou-o, abanou a cabeça e, após um longo e sentido suspiro, declarou:
– Horrível. Isso é horrível.


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