A polícia cercara-os e os dois homens faziam as suas preces prontos a
morrer como mártires quando tiveram ambos uma dúvida que lhes toldou a até aí
animada perspectiva da morte. Remoíam na súbita e perplexa incerteza quando,
sem que sentissem fisicamente o que quer que fosse, se viram na presença do
profeta.
Entreolharam-se assustados, o profeta – eles sabiam que era ele que
estava à sua frente – parecia uma caricatura; ou melhor, petrificados de
espanto, ambos concluíram que a figura do profeta era a de uma das caricaturas.
– Vocês nunca me viram, não sei qual é o espanto – resmungou o profeta,
olhando-os com desprezo. Os homens baixaram os olhos, lembrando-se que não
podiam olhar para ele. O profeta ia-lhes dizer que o podiam olhar mas
limitou-se a encolher os ombros.
– Foi por vós – disse o mais baixo dos homens, depois de se ajoelhar e
prostrar-se ritualmente. O irmão imitou-o. – Foi tudo por vós.
– E alguém lhes pediu? – vociferou o profeta, mal-disposto. – Alguém lhes
encomendou alguma coisa ou lhes passou alguma procuração?!
– Morremos? – Perguntou o irmão. – Estamos mortos?
– Não, a morte não é isto.
– Foi por vós – repetiram os homens, com as vozes abafadas pela
proximidade do chão. – Fizemo-lo por vós. Vingámo-lo!
– Têm-me em muito pouca consideração. Muito pouca. – O profeta
suspirou ruidosamente. – Pobre profeta, pobre Deus, pobre qualquer um, que
precisasse de tipos como vós para o que quer que fosse… O que quer que fosse.
Vocês cansam-me… Doem-me. – Os homens viam-lhe os pés, que se viraram e se começaram
a afastar lentamente. – Ah… – Os pés pararam. O profeta rodou sobre os
calcanhares, virando-se para os homens, baixou-se para que eles o encarassem e,
então, anunciou-lhes: – E para que saibam, se é que não perceberam pela figura
em que me vêem: Je suis Charlie.
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