terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O Aviso

“Depois, não digas que não te avisei.”
A frase, sibilina e feroz, não lhe saía da cabeça.
“Depois, não digas que não te avisei.”
Ouvia-a para si no timbre e no tom em que a ouvira e, sem outros pormenores da expressão de quem lha dissera, lembrava-se de sentir um olhar duro, quase maléfico, e no entanto ligeiramente trocista, que a fitava a acompanhar a frase.
“Depois, não digas que não te avisei.”
“Avisaste e depois?”, perguntou-se, tentando ultrapassar a frase. “Avisaste como se quisesses que acontecesse. Mais do que desconfiares ou saberes que ia acontecer, querias que acontecesse! Querias ter razão.”
“Depois, não digas que não te avisei.”
“Querias poder dizer que me avisaste. Que já sabias. Provavelmente vais-me dizer que preferias estar errada. Que esperavas não ter razão. Mas o teu olhar não era esse. Querias. Não sabias, nem te interessavas; querias. Querias ter razão.”
“Depois, não digas que não te avisei.”
“E tens. Tens razão e não te posso dizer que não me avisaste… E depois? O que é que eu faço com isso? Com a tua razão profética e com o meu desgosto anunciado? De que me serviu o aviso? De que me serviria o aviso?”
“Depois, não digas que não te avisei.”
“Avisaste e depois? Avisaste... E se o teu aviso inquinou tudo? Se o teu aviso me condicionou e nos encaminhou inexoravelmente para a sua concretização? Se foi a tua profecia que estabeleceu os fundamentos e abriu o caminho para a sua realização?”
“Depois, não digas que eu não te avisei.”
– Está descansada, não digo. Não vou dizer.


1 comentário :

Anónimo disse...

Humpft...desculpas!