A aguardente queimou-lhe a língua, o céu-da-boca, a garganta, o
esófago e, por fim, a úlcera. O homem fez uma careta de sacrifício e dor desde
que levou o copo aos lábios até que sentiu um sabor ácido e doentio encher-lhe
a boca.
– Sem tirar, nem pôr – disse alto, ainda que falasse só para si,
depois de soprar e pousar o copo vazio no balcão.
O empregado olhou-o com ar desconfiado e nada amistoso mas, em silêncio
e com outro ar, mostrou-lhe a garrafa como se desejasse prolongar o momento.
O homem abanou a cabeça negativamente e empurrou a nota que já colocara no balcão.
O empregado pegou nos cinco euros, arrumou a garrafa de aguardente
numa prateleira de vidro ao lado da máquina de café, fez o troco, que pôs junto ao copo vazio e perguntou:
– É boa, não é?
O homem, de sobrancelhas subitamente arqueadas e com as moedas na mão
a levitar acima do balcão, olhou sofregamente em volta.
– A aguardente – esclareceu o empregado, com um sorriso aparvalhado. –
A aguardente é boa. É caseira. Lá de cima.
O homem olhou para o copo, para o tecto, para o empregado, para quem
encolheu ostensivamente os ombros, e saiu.
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