"A palavra chegava-lhe aos lábios, enchia-lhe o
olhar e desabava na expressão do rosto e do corpo mas nunca era dita.
Nunca.
A palavra estava ali e era ele e ele era a
palavra mas não a dizia.
Os seus olhos, o seu rosto e o seu corpo eram o
reflexo da palavra. Um espelho era o que ele era naqueles momentos. Apenas um
espelho que reflectia uma única palavra. Uma palavra muda, sem som, sem corpo,
sem existência.
E as palavras que não se dizem não existem, nem os espelhos são o que reflectem."
A mulher calou-se, baixou a cabeça, engoliu em seco e tentou normalizar a respiração; então, quando se sentiu segura de si, olhou em frente e continuou:
E as palavras que não se dizem não existem, nem os espelhos são o que reflectem."
A mulher calou-se, baixou a cabeça, engoliu em seco e tentou normalizar a respiração; então, quando se sentiu segura de si, olhou em frente e continuou:
"Depois, depois da palavra não dita mas representada,
vinham as explicações, as justificações, as tergiversações, as promessas e as
juras. Tudo, tudo como se se abrissem as comportas de uma barragem, como se,
por milagre, o mudo ganhasse voz. Ele seria outro e a palavra que não fora dita
jamais seria necessária. Jamais!
Até que acontecia tudo outra vez e a palavra lhe chegava de novo aos
lábios, lhe enchia mais uma vez o olhar e se repetia para lhe desabar a
expressão do rosto e do corpo sem, como sempre, ser dita. Nunca foi. E era tão fácil, doutor, tão fácil.” A arguida suspirou e calou-se, correndo o olhar pelo colectivo de juízes que a julgavam. Por fim, fixou-se no
juiz-presidente e concluiu: “E o que é que lhe custava, doutor? O que é que lhe custava, nem que fosse por uma
vez, pedir desculpa?”
“Agora já não pode”, deixou escapar o
magistrado, num tom resignado e sem censura.
“Agora já não”, concordou a arguida.
1 comentário :
Gosto de ler.
Gosto de te ler.
<3
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