Um murro na mesa
e um “Não penses que me lixas!”, proferido em tom de ameaça, não foram
suficientes: ele lixou-a. Não o fez logo, nem sequer nos dias seguintes mas
fê-lo, fê-lo ainda em tempo útil e de forma a ser percebido.
“Tinha de ser”,
justificou o homem como quem pede desculpa mas com ar de quem o faz por mera cortesia. “As coisas são
o que são e eu não sou diferente”, concluiu, ainda que ninguém conseguisse
perceber o que queria ele dizer com isso; provavelmente, nem ele próprio.
“Ele é mesmo
assim,” comentou a mulher, com um ostensivo encolher de ombros, “não diz nada
que se aproveite…” Aqui fazia uma pausa, fazia-a sempre como se pensasse no que
ia dizer a seguir e como se o pensasse pela primeira vez naquele momento.
“Ele é mesmo
assim,” pausa com encolher de ombros, “não diz nada que se aproveite…”, pausa
com careta reflexiva; por vezes, chegava a passar a mão pelo cabelo ou pelo
queixo mas não o fazia sempre, já a careta era certa, ainda que não tivesse
qualquer conteúdo, era apenas uma representação.
Ele riu-se quando
soube disso e aproveitou para salientar essa entre enumeras características dela
que apresentava com precisão analítica e manifesto orgulho em enunciá-las. No fim repetiu um “Sempre demasiado teatral” acompanhado por uma gargalhada oca, também ele a representar mas sem ponta de ironia, que era mal que
nenhum dos dois padecia.
“Usa umas
tiradas grandiosas e grandiloquentes que, espremidas, não querem dizer nada.
Nada”, dizia a mulher depois da pausa e da careta reflexiva.
“Isso pensa ela”,
atirou o homem para pôr fim à conversa, sem cuidar de esclarecer a tal tirada
que ninguém percebera e, naturalmente, sem contestar o uso de frases orelhudas
mas sem conteúdo.
“O que é uma
frase orelhuda?”, perguntaram ambos quando leram o que o narrador escreveu.
“Frases que nos soam
bem, que nos parecem ser correctas e acertadas, que estabelecem um vínculo
entre quem as profere e quem as ouve. Que causam admiração.”
Ela fez uma
careta e ele também mas abstiveram-se de qualquer comentário.
“As caretas são o comentário”, elucidou ela, ao que ele anuiu com um lento oscilar vertical da cabeça
e um sorriso cúmplice. Ela respondeu-lhe sorrindo e piscando o olho direito.
“Devíamos falar,
Cristina”, sugeriu o homem, aproveitando o facto de ela ter os dois olhos
abertos.
A mulher aprovou
a sugestão com um silêncio grave e sério e fixou-se no narrador. “E ele?”
“Dá a narração
por terminada”, respondeu o homem, antes mesmo de ela fazer a pergunta.
“Agora?”
“Já!”
“Já!”
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