segunda-feira, 21 de julho de 2014

Na Feira Medieval

– Ó Seixas, tu tens a certeza que isto é boa ideia?
– Boa ideia?!
– Sim, achas que isto tem alguma graça?
– Ó Araújo, porra! Isto é espectáculo, pá! Um isto faz um vistão do caraças!
– Não sei… Acho isto tudo um bocado apertado, demasiado frágil e, ainda por cima, cheira mal que tresanda.
– Ah… isso! Isso foi ideia do Maia, é das peles!
– Das peles?! Desde quando é que o Cavalo de Tróia tem peles?
– Sabes lá!
– Sei. Não tinha. Eu vi o filme.
– Isto não é um filme, pá. Isto é a história em movimento...
– Mas o Cavalo de Tróia...
– Isto também não é o Cavalo de Tróia, pá, deixa-te de picuinhices! Nós estamos a recriar a Idade Média…
– Eu sei mas o princípio disto é o do Cavalo de Tróia. Ouve lá, mas as peles não são curtidas?
– Curtidas?
– Secas e tratadas… Isto parece que está tudo ainda a pingar sangue e vísceras e sei lá o quê… Está tudo húmido.
– É para não arderem.
– Para não arderem?!
– Sim, o Maia diz que viu isso no Canal História. As peles dos animais antes de serem curtidas custam muito mais a arder.
– Mas porque é que isto devia arder?
– Os gajos podem deitar o fogo a isto.
– Desculpa?!
– Eu não desculpo.
– O quê?!
– Estou a dizer que se deitarem o fogo a isto eu não desculpo.
– Ah… Mas alguém vai deitar o fogo a isto?!
– Os gajos podem tentar.
– Quais gajos?
– Os inimigos, pá. Isto não é uma guerra?
– Não.
– Não?
– Não, isto é uma recriação histórica.
– Sim, uma recriação histórica de uma guerra medieval.
– Essa é outra: se isto é uma guerra medieval porque raio vamos nós dentro desta tralha?
– O Maia diz que os gajos usavam tudo. Não te esqueças que era a idade das trevas. Os gajos eram uns manhosos do pior.
– Isto é um carro alegórico, ó Seixas. Desde quando é que os tipos da Idade Média, por mais manhosos que fossem, usavam carros alegóricos para atacar os inimigos?
– Só para tua informação: os gajos até usavam granadas.
– Granadas?
– Sim, granadas incendiárias. O Maia diz que viu no Canal História. Os gajos usavam granadas com nafta ou lá o que era e queimavam tudo. Os antigos eram maus como as cobras!
– Ouve lá, achas que o Maia disse isso aos outros?
– O quê? Que eles eram maus?
– Não, isso das granadas com nafta.
– Disse. E até lhes explicou que primeiro têm de mandar umas apagadas para a nafta impregnar e só depois é que mandam uma acesa. Diz que faz um efeito do caraças.
– Impregnar?! Impregnar o quê?
– Eu percebi que eram as peles.
– Estas?! As que não ardem?
– Pois. Só que assim já ardem. O gajo farta-se de ver o Canal História, pá. Mais um ano ou dois e isto é uma recriação de alto lá com ela.
– E nós?
– Nós o quê?
– Quando é que saímos?
– Quando nos puserem dentro das muralhas. Já te explicaram isso.
– Quer dizer que ninguém vai usar as granadas?
– Em princípio, não.
– Em princípio?!... E no fim?
– Logo se vê. O gajo diz que isto é dinâmico, pá. Há uma certa liberdade para desenvolvermos as personagens, para criarmos e para desenvolvermos os acontecimentos.
– O gajo é doido, ó Seixas… Então, e se se lembram de deitar as granadas, o que é nós fazemos?
– Improvisamos.
– Improvisamos?!
– Sim, entramos mais fundo nas personagens e actuamos em conformidade. Não nos podemos esquecer que somos guerreiros medievais.
– Foi ele que disse isso?
– Foi.
– E depois?
– Temos de ter isso em conta.
– Sim, mas isso quer dizer exactamente o quê?
– O Maia diz que os tipos eram guerreiros ferozes e intrépidos, sem medo de nada, que…
– Que se tivessem de morrer assados dentro de uma balhana qualquer isso para eles era uma alegria.
– Para alguns sim, para outros não.
– Eu sou dos outros, pá. Ficas já a saber que se me cheirar a queimado, nem que seja a uma cabeça de fósforo a arder, vou-me logo embora.
– ´Tás doido!
– ‘Tava era se ficasse cá dentro.
– E os arqueiros?
– Quais arqueiros?
– Os arqueiros inimigos, pá. Se eles te vêem a sair daqui à doida, estás feito.
– Têm setas?
– Se são arqueiros.
– Pois.
– O melhor que temos a fazer é esperar e ter confiança. Vai tudo correr bem. Os gajos põem isto para dentro das muralhas e quando ouvirmos a senha, saímos.
– “É uma hora e está tudo bem!”
– Isso mesmo. É preciso é calma.
2010

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