– Ó
Seixas, tu tens a certeza que isto é boa ideia?
–
Boa ideia?!
–
Sim, achas que isto tem alguma graça?
– Ó
Araújo, porra! Isto é espectáculo, pá! Um isto faz um vistão do caraças!
–
Não sei… Acho isto tudo um bocado apertado, demasiado frágil e, ainda por cima,
cheira mal que tresanda.
–
Ah… isso! Isso foi ideia do Maia, é das peles!
– Das peles?! Desde quando é que o Cavalo de Tróia tem peles?
–
Sabes lá!
– Sei. Não tinha. Eu vi o filme.
–
Isto não é um filme, pá. Isto é a história em movimento...
– Mas o Cavalo de Tróia...
– Isto também não é o Cavalo de Tróia, pá, deixa-te de picuinhices! Nós estamos a recriar a Idade Média…
– Mas o Cavalo de Tróia...
– Isto também não é o Cavalo de Tróia, pá, deixa-te de picuinhices! Nós estamos a recriar a Idade Média…
– Eu
sei mas o princípio disto é o do Cavalo de Tróia. Ouve lá, mas as peles não são
curtidas?
–
Curtidas?
–
Secas e tratadas… Isto parece que está tudo ainda a pingar sangue e vísceras e
sei lá o quê… Está tudo húmido.
– É
para não arderem.
–
Para não arderem?!
–
Sim, o Maia diz que viu isso no Canal História. As peles dos animais antes de serem curtidas custam muito mais a arder.
–
Mas porque é que isto devia arder?
– Os
gajos podem deitar o fogo a isto.
–
Desculpa?!
– Eu
não desculpo.
– O
quê?!
–
Estou a dizer que se deitarem o fogo a isto eu não desculpo.
–
Ah… Mas alguém vai deitar o fogo a isto?!
– Os
gajos podem tentar.
–
Quais gajos?
– Os
inimigos, pá. Isto não é uma guerra?
–
Não.
–
Não?
–
Não, isto é uma recriação histórica.
–
Sim, uma recriação histórica de uma guerra medieval.
–
Essa é outra: se isto é uma guerra medieval porque raio vamos nós dentro desta
tralha?
– O
Maia diz que os gajos usavam tudo. Não te esqueças que era a idade das trevas. Os gajos eram uns manhosos do pior.
–
Isto é um carro alegórico, ó Seixas. Desde quando é que os tipos da Idade Média, por mais manhosos que fossem, usavam carros alegóricos para atacar os inimigos?
– Só
para tua informação: os gajos até usavam granadas.
–
Granadas?
–
Sim, granadas incendiárias. O Maia diz que viu no Canal História. Os gajos
usavam granadas com nafta ou lá o que era e queimavam tudo. Os antigos eram
maus como as cobras!
–
Ouve lá, achas que o Maia disse isso aos outros?
– O
quê? Que eles eram maus?
–
Não, isso das granadas com nafta.
–
Disse. E até lhes explicou que primeiro têm de mandar umas apagadas para a
nafta impregnar e só depois é que mandam uma acesa. Diz que faz um efeito do
caraças.
–
Impregnar?! Impregnar o quê?
– Eu
percebi que eram as peles.
–
Estas?! As que não ardem?
–
Pois. Só que assim já ardem. O gajo farta-se de ver o Canal História, pá. Mais
um ano ou dois e isto é uma recriação de alto lá com ela.
– E
nós?
–
Nós o quê?
–
Quando é que saímos?
–
Quando nos puserem dentro das muralhas. Já te explicaram isso.
–
Quer dizer que ninguém vai usar as granadas?
– Em
princípio, não.
– Em
princípio?!... E no fim?
–
Logo se vê. O gajo diz que isto é dinâmico, pá. Há uma certa liberdade para
desenvolvermos as personagens, para criarmos e para desenvolvermos os
acontecimentos.
– O
gajo é doido, ó Seixas… Então, e se se lembram de deitar as granadas, o que é
nós fazemos?
–
Improvisamos.
–
Improvisamos?!
–
Sim, entramos mais fundo nas personagens e actuamos em conformidade. Não nos
podemos esquecer que somos guerreiros medievais.
– Foi ele que disse isso?
– Foi.
– Foi ele que disse isso?
– Foi.
– E depois?
–
Temos de ter isso em conta.
–
Sim, mas isso quer dizer exactamente o quê?
– O
Maia diz que os tipos eram guerreiros ferozes e intrépidos, sem medo de nada,
que…
–
Que se tivessem de morrer assados dentro de uma balhana qualquer isso para eles
era uma alegria.
–
Para alguns sim, para outros não.
– Eu
sou dos outros, pá. Ficas já a saber que se me cheirar a queimado, nem que seja
a uma cabeça de fósforo a arder, vou-me logo embora.
–
´Tás doido!
–
‘Tava era se ficasse cá dentro.
– E
os arqueiros?
–
Quais arqueiros?
– Os
arqueiros inimigos, pá. Se eles te vêem a sair daqui à doida, estás feito.
–
Têm setas?
– Se
são arqueiros.
–
Pois.
– O
melhor que temos a fazer é esperar e ter confiança. Vai tudo correr bem. Os
gajos põem isto para dentro das muralhas e quando ouvirmos a senha, saímos.
– “É
uma hora e está tudo bem!”
–
Isso mesmo. É preciso é calma.
2010
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