António José não
se apercebeu mas a mulher olhava-o com malícia desde o princípio da conversa.
Sorria-lhe e acenava com a cabeça como se o ouvisse com toda atenção mas tinha
um brilho incandescente no olhar e um ligeiro arquear dos lábios que lhe
denunciavam os estranhos pensamentos que a consumiam enquanto o ouvia.
– E o Hollande?
– atirou de chofre a mulher, interrompendo-lhe a interminável ladainha sobre
fazer melhor e fazer diferente.
António José
engoliu em seco, levantou os olhos do prato da pescada cozida com batatas e
olhou para a mulher. Ela mantinha o sorriso torcido, sensual. “Erótico”,
reparou surpreendido António José.
– O Hollande? –
repetiu António José, sem saber o que dizer, assustado por constatar que o
sorriso “erótico” da mulher estava acompanhado por um estranho olhar.
“Lúbrico”, foi o adjectivo que lhe ocorreu.
– Sim, o
Hollande – confirmou a mulher –, esse grande socialista.
António José
tornou a engolir em seco, agora com mais dificuldade como se tivesse um
problema na garganta, e coçou o couro cabeludo por cima da orelha direita, tentando perceber se o “grande socialista” tinha, como lhe pareceu, uma
conotação para além da política. Sem ter a certeza, não arriscou:
– O Hollande
esbarrou com a realidade negra que o Sarkozy lhe deixou e teve que dar um passo
atrás para poder vir a dar dois à frente – sugeriu António José, evasivo para
não se comprometer.
A mulher desviou
o olhar para a televisão como se tivesse ficado satisfeita.
António José
deixou escapar um profundo suspiro de alívio, enquanto se censurava por se ter
permitido admitir que a questão da mulher sobre Hollande encerrasse um segundo
sentido, e levou meia batata cozida à boca.
A mulher esperou
que ele mastigasse duas vezes a batata e perguntou-lhe em tom inocente:
– Continuas
então a achar que o Hollande, apesar de tudo, é um socialista erecto?
António José
teve um ataque de tosse e cuspiu a batata. A mulher olhava-o, deliciada mas
mantendo uma expressão séria.
– Erecto?! Um
socialista erecto?!
– Sim –
confirmou a mulher, em tom formal. – Achas?
António José
limpou a boca e o queixo com o guardanapo, constatando com vergonha que havia
estilhaços de batata cozida, mastigada e cuspida por toda a mesa e, quando se
sentiu preparado, respondeu no mesmo tom:
– Sim, acho que
sim, o fervor socialista do Hollande não esmoreceu, certamente que continua de
pé…
– Erecto… –
aperfeiçoou a mulher.
– Sim, o homem
continua erecto – anuiu António José, contrariado.
– Um socialista
erecto. Um grande socialista erecto, esse Hollande.
– Parece que
sim…
– Mas que tem de
suspender por uns tempos o fervor…
– Socialista –
completou António José.
– Socialista –
concordou a mulher.
– Vais ver que é
só uma fase… – Opinou António José. – Tudo isto é passageiro.
– Como ele na
mota do segurança…
– Pois, mais ou
menos isso.
– E tu?
– Eu?
– Sim, tu –
disse a mulher, que voltou a sorrir-lhe e a olhá-lo como no início da conversa.
– Como é que anda o teu fervor socialista, Tó-Zé? Erecto?
1 comentário :
Isto com comentários em privado...é outro requinte!!
Algumas das suas descrições continuam fantásticas!
Mais..mais...mais!
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