quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Socialista Erecto

António José não se apercebeu mas a mulher olhava-o com malícia desde o princípio da conversa. Sorria-lhe e acenava com a cabeça como se o ouvisse com toda atenção mas tinha um brilho incandescente no olhar e um ligeiro arquear dos lábios que lhe denunciavam os estranhos pensamentos que a consumiam enquanto o ouvia.
– E o Hollande? – atirou de chofre a mulher, interrompendo-lhe a interminável ladainha sobre fazer melhor e fazer diferente.
António José engoliu em seco, levantou os olhos do prato da pescada cozida com batatas e olhou para a mulher. Ela mantinha o sorriso torcido, sensual. “Erótico”, reparou surpreendido António José.
– O Hollande? – repetiu António José, sem saber o que dizer, assustado por constatar que o sorriso “erótico” da mulher estava acompanhado por um estranho olhar. “Lúbrico”, foi o adjectivo que lhe ocorreu.
– Sim, o Hollande – confirmou a mulher –, esse grande socialista.
António José tornou a engolir em seco, agora com mais dificuldade como se tivesse um problema na garganta, e coçou o couro cabeludo por cima da orelha direita, tentando perceber se o “grande socialista” tinha, como lhe pareceu, uma conotação para além da política. Sem ter a certeza, não arriscou:
– O Hollande esbarrou com a realidade negra que o Sarkozy lhe deixou e teve que dar um passo atrás para poder vir a dar dois à frente – sugeriu António José, evasivo para não se comprometer.
A mulher desviou o olhar para a televisão como se tivesse ficado satisfeita.
António José deixou escapar um profundo suspiro de alívio, enquanto se censurava por se ter permitido admitir que a questão da mulher sobre Hollande encerrasse um segundo sentido, e levou meia batata cozida à boca.
A mulher esperou que ele mastigasse duas vezes a batata e perguntou-lhe em tom inocente:
– Continuas então a achar que o Hollande, apesar de tudo, é um socialista erecto?
António José teve um ataque de tosse e cuspiu a batata. A mulher olhava-o, deliciada mas mantendo uma expressão séria.
– Erecto?! Um socialista erecto?!
– Sim – confirmou a mulher, em tom formal. – Achas?
António José limpou a boca e o queixo com o guardanapo, constatando com vergonha que havia estilhaços de batata cozida, mastigada e cuspida por toda a mesa e, quando se sentiu preparado, respondeu no mesmo tom:
– Sim, acho que sim, o fervor socialista do Hollande não esmoreceu, certamente que continua de pé…
– Erecto… – aperfeiçoou a mulher.
– Sim, o homem continua erecto – anuiu António José, contrariado.
– Um socialista erecto. Um grande socialista erecto, esse Hollande.
– Parece que sim…
– Mas que tem de suspender por uns tempos o fervor…
– Socialista – completou António José.
– Socialista – concordou a mulher.
– Vais ver que é só uma fase… – Opinou António José. – Tudo isto é passageiro.
– Como ele na mota do segurança…
– Pois, mais ou menos isso.
– E tu?
– Eu?
– Sim, tu – disse a mulher, que voltou a sorrir-lhe e a olhá-lo como no início da conversa. – Como é que anda o teu fervor socialista, Tó-Zé? Erecto?

1 comentário :

Teresula disse...

Isto com comentários em privado...é outro requinte!!
Algumas das suas descrições continuam fantásticas!
Mais..mais...mais!