segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O Lençol

– Sempre te queria ver a escrever isto – disse ela, batendo a porta do quarto com estrondo e, passados uns segundos, fazendo o mesmo à porta do apartamento.
Ele inclinou-se para a frente para, sem saber porquê, ver a porta fechada do quarto. Engoliu em seco, voltou a encostar-se à cabeceira da cama e ficou a olhar para o quarto vazio. Suspirou e procurou o telemóvel, onde escreveu um sms: “Porquê, lias?”
“Não só lia como comentava, se me apetecesse”, respondeu ela passado uns segundos.
“Achas que valia a pena?”
“Abre a porta!”
Ele sentou-se na cama e tornou a olhar para a porta do quarto. Releu a mensagem e levantou-se e foi abrir a porta do apartamento, que deixou encostada.
“Vai-te deitar!”, escreveu-lhe ela.
Ele voltou para a cama. Tapou-se com o lençol e encostou-se à cabeceira. Ouviu a porta da rua fechar-se, os sapatos dela no chão da sala e deixou de a ouvir.
– Foi um erro – disse ela, junto à porta do quarto mas sem entrar. Ele não a via.
– O quê?
– Isto – disse ela.
– Voltares?
– Voltarmos.
– Porquê?
– Porque sim.
– Porque é que quiseste que eu abrisse a porta?
Ela deu dois passos e encostou-se ao roupeiro. Estava nua e sorria.
– Queria que fizesses alguma coisa para me teres…
– Vou-te ter?
– Vou-te ter outra vez – corrigiu ela, ácida, fechando o sorriso.
– Hã?!
– A pergunta que me devias fazer era… – Ela calou-se, cerrou os lábios com força e abanou a cabeça na horizontal. – Não me devias fazer pergunta nenhuma… Não era preciso pergunta nenhuma!
Ele respirou fundo como se o ar o pudesse inspirar.
– Sabes do que é que nunca gostei em ti? – lançou ela, sem esperar que a inspiração lhe subisse dos pulmões ao cérebro.
Ele pensou em várias coisas que, num ápice, se acumularam em muitas coisas e, numa súbita e incómoda surpresa, se transformaram numa imensidão de possibilidades. Espantado com a facilidade e rapidez com as identificara e com a certeza com que as acumulava, engoliu em seco e pensou se essas eram coisas de que ela podia não gostar nele ou que ele não gostava em si próprio. Na dúvida, fixou-se nela para não pensar em mais nada.
Ela, que o conhecia, permaneceu calada com um sorriso que não lhe mostrou, deixando-o torturar-se.
– Assim, de repente, não estou a ver nada – mentiu ele, num murmúrio.
Ela sorriu, um sorriso benigno, conformado. Um sorriso de quem já sabia a resposta. E pensou que essa era outra das coisas que nunca gostara nele: a previsibilidade.
– Das perguntinhas de merda que tens a mania de fazer – declarou ela, de chofre como se temesse esquecer-se do que estavam a falar. Desencostou-se da esquina do móvel mas não andou e ficou parada a olhar para ele. – Se eu voltei, se estou aqui. Se… – Olhou para si, nua, passou a mão direita pelo cabelo e continuou: – Se deixei a roupa na sala, se te peço para abrires uma porta de que tenho a chave, se entro e te falo, se volto para te dizer que foi um erro, se regresso sem saber porquê… Ou melhor, sei mas queria não saber para poder ter a desculpa da inconsciência…
Ele desembaraçou-se do lençol, levantou-se e abraçou-a. Beijaram-se.
Ela empurrou-o para a cama e lançou-se para cima dele.
– Escreves? – perguntou ela, agarrando numa ponta do lençol, que puxou atrás de si.
Ele ia perguntar o quê mas calou-se a tempo e disse que sim. Que escrevia.
Ela tapou-os.
– E eu leio e comento se me apetecer!

1 comentário :

Anónimo disse...

Espectacular.
Um final muito ... maduro!
Gostei!