Bruce Davidson, UK. London. 1960. Girl with kitten and couple looking on. |
“É um absurdo”,
censurou-se Bruno, encolhendo o braço e afastando a mão da fotografia. Cerrou os
lábios, expirou pelo nariz e fixou-se no tampo da mesa como se o facto de o
fazer o ajudasse. “Isto ainda é mais parvo”, reconheceu, voltando a fixar-se na
cara da rapariga que segurava o gato. Suspirou e virou costas à mesa.
– Porque é que
imprimiste isto? – Ouviu-se perguntar, enquanto olhava para a nuca de Laura,
sentada no sofá à sua frente.
A mulher olhou
para trás para o ver mas voltou-se de imediato para a televisão sem lhe
responder.
– Laura – chamou
Bruno. – Não ouviste?
A mulher parou a
imagem da televisão e tornou a virar-se para trás.
– Não percebi,
desculpa.
– Olhaste para
mim.
– Pois olhei –
anuiu a mulher, com um ligeiro sorriso – mas estava noutra. O que é que me
perguntaste?
– Porque é que
imprimiste esta fotografia? – Ele apontou displicentemente para a fotografia em
cima da mesa, quase sem se virar.
– Não gostas? –
Laura levantou-se, franzindo quase imperceptivelmente as sobrancelhas mas
abrindo o sorriso. Bruno viu as sobrancelhas e quase não viu o sorriso. Laura
pôs-se ao lado dele e pegou na fotografia. – Não gostas? – repetiu.
O homem encolheu
os ombros.
– Tu tens aquela
dos carros – disse Laura, num tom defensivo.
– Essa é um
original – alegou ele. – É do Blaufuks.
– Esta é do
Bruce Davidson…
– Mas essa é uma
cópia tirada da Internet.
– E achas que
isso é relevante?
– Claro que é –
mentiu ele, com convicção.
– Mas não
gostas? – insistiu a mulher.
– Não é isso que
está em causa – tergiversou Bruno.
– Não? – Laura
olhou para a fotografia que ainda tinha na mão. – Então, o que é que está em
causa?
O homem deu um
passo para o lado, afastando-se da mulher e da fotografia.
– O que está em
causa é o que lhe vais fazer – disse ele, aproveitando a primeira coisa que lhe
veio à cabeça.
– Estava a
pensar emoldurá-la e pô-la naquela parede – explicou ela, apontando para a
parede ao pé da estante dos livros dele.
– Não gosto –
declarou Bruno, abanando a cabeça na horizontal.
– Que eu a ponha
ali?
– Não. Não gosto
da fotografia. – Bruno baixou os olhos para a fotografia. – É triste. – Laura
observava-o com espanto. Ele continuou num tom peremptório: – Chateia-me. Não gosto
das expressões. Aborrecem-me.
– Nem da do
gato? – interrompeu Laura.
– Não, nem da do
gato… – Bruno levantou a cabeça e fixou-a nos olhos. – Essa fotografia
perturba-me, Laura, e faz-me ficar mal disposto.
Laura tornou a
olhar para a fotografia.
– Mas parece que
sou atraído por ela – murmurou Bruno. – É um absurdo.
– É o Kid A dos
Radiohead em versão fotografia – gracejou Laura, que bem conhecia os efeitos do
disco no humor do marido. Bruno sorriu e concordou com um aceno. Laura
respondeu-lhe com um sorriso e um encolher de ombros e pousou a fotografia
virada para baixo em cima da mesa. – Podias ter dito isso logo no princípio. –
Deu-lhe um beijo na face, chamou-lhe – Parvo – e voltou para o sofá para acabar
de ver o filme.
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