– Minha senhora! Minha senhora... O senhor doutor
quer uma boina, minha senhora.
– Uma boina?
– Sim, o senhor doutor pediu-me
para lhe ir buscar uma boina.
– Para quê?
– Acho que é
para levar para a rua, minha senhora. Para as comemorações...
– Uma boina?!
– Eu também
estranhei, minha senhora, mas ele disse que quer uma boina. Uma boina preta.
– Preta?
– E que não seja
nova.
– Não seja nova?
– Tem de ter ar
de já ter sido usada, minha senhora.
– Ele disse
isso?
– Foi.
– Mas vai levá-la
na cabeça?
– Acho que sim, minha
senhora. Normalmente é o que se faz às boinas.
– Eu não estou a
achar graça, Joana.
– Desculpe,
minha senhora. Eu também não estou. Olhe que eu até disse ao senhor doutor que
achava que não havia nenhuma boina cá em casa e que tinha de vir perguntar à
senhora.
– E ele?
– Ele disse que
havia. “Olha que há, Joana, olha que há”, disse o senhor doutor.
– Disse isso, assim?
– Foi. E disse
para eu procurar na gaveta…
– Qual gaveta?
– Na que ele
enfiou o socialismo há uns anos.
– Estás a
brincar.
– Não, minha
senhora, não estou. O senhor doutor disse mesmo para eu ir procurar na gaveta
onde ele enfiou o socialismo em 78.
– Diz-lhe que
tem traça.
– O socialismo?
– A boina,
mulher, a boina!
– Ah… Mas olhe
que o senhor doutor foi à procura nos armários dos presentes.
– E há lá
boinas?
– Há, minha
senhora, há lá mais do que uma.
– Isso é que é pior!
– Até há umas
com uma estrela, como a do Che…
– Não me digas…
– Digo, digo. Há lá duas
ou três.
– Uma boina à
Che… Isso é que havia de ser bonito… Uma boina à Che…
– É quase só o
que lhe falta fazer…
– Diz?
– Nada, minha
senhora, nada. Estava a dizer que era só o que faltava… O senhor doutor com uma boina à Che, no Carmo, a comemorar o 25 de Abril!... Onde é que isso já se viu!
– Nem se vai
ver, Joana. Nem se vai ver! E vai lá ter com ele, que eu vou dizer à Maria para
me ir buscar um boné preto. Vai já, antes que ele descubra alguma boina dessas.
Diz-lhe que já falaste comigo e que eu já estou a tratar do assunto.
Sem comentários :
Enviar um comentário