sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Bigode – uma história de amor.

Ela olhou para o relógio parado da torre da Câmara Municipal e calou-se.
Ele seguiu-lhe o olhar, percebeu que qualquer coisa estava diferente sem perceber o quê e olhou para o seu relógio de pulso. O relógio na torre continuava parado.
– Tem luz – disse ela. Ele olhou para ela sem perceber. Sem expressão, ela acrescentou: – O relógio da Câmara tem luz.
– Não tinha?
– Não.
– Mas continua parado – disse ele, constatando o óbvio como se fosse uma descoberta.
Ela pendeu a cabeça para o ombro direito, que levantou ligeiramente, e anuiu com a cabeça.
Olharam um para o outro: ela sem perceber o que vira nele; ele sem perceber… ele sem perceber… ele sem perceber nada.
– Não é o sexo – deixou ela escapar, sorrindo quando se ouviu.
– O quê? – As sobrancelhas dele acompanharam a pergunta, sinalizando o desconforto.
Ela sorria e estranhava o sorriso. Não era um sorriso envergonhado ou embaraçado, era um sorriso natural, um sorriso satisfeito com a certeza do facto. “Não é o sexo”, repetiu, agora para si. Olhou para ele: “Não é beleza”. Abriu o sorriso: “Nem o bom gosto”.
– Se tivesses um chapéu e pusesses a mão na lapela do casaco…
– Eu não tenho casaco – interrompeu ele, aborrecido.
– Se tivesses um chapéu e um casaco – recomeçou ela, ainda a sorrir, depois de juntar a paciência e o sentido do humor às razões que não justificavam o facto de estar com ele. – Se tivesses um chapéu e um casaco e pusesses a mão na lapela do casaco, parecias o Marcelino Mesquita.
Ele olhou para a estátua e imitou-lhe a postura e o estilo com garbo teatral.
– Falta-me o bigode – declarou em tom afectado.
Ela riu-se e decidiu não lhe dizer que parecia o Marcelino Mesquita porque era oco. “Tão oco como estátua do homem”.
– E o sexo? – Perguntou ele, sem alterar a rigidez de estátua que assumira.
– Não deve ser nada bom – respondeu ela com uma gargalhada. – Não me parece que lhe consigas tirar as calças.
Ele fez uma careta e depois um esgar com que procurava imitar um sorriso.
Ela riu-se ainda mais.
– Tu é que falaste no sexo - reclamou ele e repetiu-lhe a frase: – Não é o sexo.
Ela abanou a cabeça na horizontal e parou de rir.
– Não é o sexo – suspirou –, nem sei o que possa ser.
– Estás a falar de quê?
– De ti, parvo – Ela olhou-o furiosa. – De nós!
Ele engoliu em seco e pensou, sem saber porquê – e pensou nisso –, que se tivesse um bigode o estaria a cofiar com ar superior e enrolar-lhe a ponta enquanto diria… “Enquanto diria…”
– Não dizes nada? – Atirou-lhe ela, calando a asneira que lhe entupia a garganta com um “F”do tamanho do mundo.
– Não tenho bigode – lamentou-se ele.
Ela ouviu, olhou para ele, confirmando a falta de pelos abaixo do nariz, e sentiu o impacto da verdade como se lhe batesse uma porta na cara.
– Isso explica tudo – murmurou. – Isso explica tudo...

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