O Dr. Carreira calou-se, fixou a Dra. Judite com os olhos muito abertos e, subitamente como se explodisse, soltou uma ruidosa gargalhada trocista acompanhada de fortes palmadas na mesa.
A Dra. Judite semicerrou os olhos, cerrou os dentes e os punhos com a mesma força furiosa e lançou um profundo olhar de desprezo e raiva ao velho que, entretanto, abafara mais gargalhadas mas que a olhava abanando a cabeça para a direita e para esquerda mantendo um sorriso de condescendência e censura.
Na régie não havia reacção e o plano aberto que apanhava ambos os interlocutores dava à cena um ar de filme italiano dos anos setenta. O realizador pensou nisso e sorriu: “Era só dar uma paralisia facial ridícula ao velho sabe-tudo, um penteado psicadélico à doutora e um miúdo ranhoso, sujo e desgrenhado a fazer macacadas e a rir-se atrás dele…” Os técnicos esperavam ordens sem tirar os olhos dos ecrãs e o realizador sonhava com o resto da cena: “E acabava-se com o velho a tombar sobre a mesa com uma apoplexia e a doutora a gritar histérica que o amava e pôr-lhe a cabeça entre as mamas para o reanimar e o miúdo a espreitar debaixo da mini-saia para lhe ver as cuecas…”
A Dra. Judite recompôs-se e olhou para a câmara 2. O realizador acordou e berrou ordenando o grande plano na senhora. A doutora esboçou um sorriso ofendido que acompanhou com caretas e gestos de enfado e descredibilização que dirigia ao Dr. Carreira e despediu-se: “Boa noite. Para a semana eu volto, o velho seboso e gagá não.” O realizador berrou para abrirem o plano. A Dra. Judite apercebeu-se e, sorrindo com irónica amabilidade, esticou o braço direito por cima da mesa na direcção do Dr. Carreira e mostrou-lhe o dedo médio erguido, firme e hirto como uma barra de ferro.
Sem comentários :
Enviar um comentário