segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Escuta 231 #06.06.2006

16:55. Ela/Ele:
“Encontramo-nos lá?
Onde?
Lá!
Ah! Sim, pode ser.
À mesma hora?
Sim.
Até já, então.
Até já.
Mas vais?
Vou, se estou a dizer até já é porque vou.”
18:38. Ela/Ele:
“Está?
Olá.
Então?
Então o quê?
Não vens?
Onde?
Onde?! Então, não ficámos de nos encontrar?
Foi?! Quando?
Agora.
Onde?
Aqui.
Que horas são?
Seis e meia.
Oh! Dá-me dez minutos.
Esqueceste-te?!
De quê?... Não! Não me esqueci. Dez minutos.
Dez?
Sim, esperas?
Está bem.”
18:55. Ela/Ele:
“Está?
Sim?
É só para te dizer que me vou embora.
Está?! Está?!”
18:57. Ele/Ela:
“Está?
O que é?
A chamada caiu ou foste tu que desligaste?
Fui eu que desliguei.
Ainda aí estás?
Estou aqui. Exactamente aqui.
Espera... Espera... Estás onde?
Estou aqui.
Sim, mas onde? Não te estou a ver.
Não? Tu estás aonde?
No carro, não consigo estacionar... Mas estou aqui em frente e não te estou a ver.
É natural, eu não estou aí...
Disseste que estavas... Não disseste que estavas aqui?
E estou. Estou aqui, não estou aí. Queres estacionar?
Quero.
Então, anda duzentos metros mais para a frente.
Estou a andar... Não há lugares.
Espera... Estás a ver um Astra preto com o pisca aceso?
Estou.
Vai sair, podes estacionar.
Está bem. Até já.”
19:02. Ele/Ela:
“Está! Desculpa lá... Estás a gozar?
Porquê?
Não eras tu que ias no Astra?
Era, ou melhor, sou.
E mandaste-me estacionar?!
Não mandei, perguntei. Perguntei se querias estacionar, tu disseste que sim e eu dei-te o lugar.
Estás a brincar?
A brincar?! Porquê não conseguiste estacionar?”
19:04. Ele/Ela:
“Está?!
Sim, o que foi agora?
A chamada caiu.
A chamada?
E o telefone!
Logo vi.
Logo viste, o quê?
Que tinhas atirado o telefone ao chão do carro.
Tu estás a irritar-me!
Estou?
O que achas?
Acho que sim, pelo menos estou a tentar.
Fiz-te algum mal, foi?
O que achas?
Foda-se!
Foda-se?! Disseste foda-se?
Não era para ti! Está um polícia a mandar-me parar. Já te ligo.”
19:32. Ele/Ela:
“Ouve lá, mas tu não passaste pelo polícia?
Multou-te?
E ainda me pregou um sermão por ter o kit de mãos livres e não ir a usar.
Azar.
Mas o polícia não te viu? Tu passaste por ele.
Eu sorri.
Sorriste?
Foi.
E ele?
Ele também sorriu.
Ah… E agora onde é que estás?
Vim à esplanada.
Do careca?
Sim.
Vou aí ter.
Para quê?
Quero falar contigo.
Porquê?
Porque quero. Até já...
Até já.
Esperas?
Espero, se estou a dizer até já é porque espero.”
19:44. Ele/Ela:
“Está?
Sim?
Não esperaste.
Tive de me vir embora.
Estás a gozar.
Não tanto como tu.
Diz?!
Estou a gozar, mas não estou a gozar tanto como tu.
Eu percebi! Mas porque é isso?
Olha, Ferdinando, acho que mais vale ficarmos por aqui.
Assim, Imelda? Por telemóvel?
Sim, Richard, escusamos de nos ver.
Mas eu quero ver-te, Elisabeth. Acabar por telemóvel é para miúdos, Inês.
Oh! Pedro, acabar é acabar e pronto e tu não tens emenda, Denys George.
Denys George?!... Denys George?! Quem é o Denys George?
Perdeste?!
Se o Denys George existe, perdi.
Ah! Boa!
Mas quem é que eu te devia chamar?
Karen Christence, meu caro Mr. Hatton.
Oh, bolas!... Do África Minha! E tu eras a Karen Blixen! Apanhaste-me.
Ainda estás aí, Stan? – perguntou ela com um sorriso.
Na esplanada, Oliver?
Sim, estás?
Estou – respondeu ele, feliz.
Então espera por mim, estou mesmo a chegar.”

– Oiça lá – disse o superior, ríspido –, quando se fazem transcrições, transcreve-se.
– Não foi o que eu fiz? – perguntou o subalterno.
– Foi – respondeu o superior, alinhando as folhas –, até ela ter perguntado com um sorriso e ele ter respondido feliz.
– Ah! – O subalterno achou graça à explicação do superior e descansou, eram pormenores. – Eu acho que...
O superior que batia com as folhas na vertical na secretária, largou-as e interrompeu-o com maus modos:
– Você acha?! Ó... – O superior calou-se repentinamente, olhou para as folhas, voltou a pegar-lhe e recomeçou pausadamente: – Diga lá... Acha o quê?
Assustado, o subalterno olhou-o, viu as folhas voltarem a bater lentamente no tampo da secretária, constatou o ar interessado do superior e, ainda assim receoso, avançou:
– Acho que ela, quando lhe perguntou se ele ainda estava na esplanada deve ter sorrido. – O superior acenou ligeiramente com a cabeça, concordando, e ele continuou a explicação: – Para mais chamou-lhe Stan, Stan Laurel, o estica do Bucha e Estica...
– Eu sei quem é o Stan – interrompeu o superior. – E?
– Já não era um par romântico, mudou o princípio dos nomes, passou para uma coisa mais ligeira. Ela queria encontrar-se com ele, por isso, de certeza que sorriu.
– Estou a ver – concordou o superior. – E ele ficou feliz?
– Ficou, percebeu que a coisa se tinha resolvido. Que voltavam a falar.
– Sim, senhor. – O superior levantou-se com as folhas da transcrição na mão, rodou-as e segurou-as na horizontal. – Mas olhe, ó Sousa – rasgou-as ao meio e estendeu-lhe as duas metades –, eu até sou capaz de concordar consigo, a gaja deve ter sorrido e o gajo deve ter ficado todo contente – o subalterno pegou nas folhas rasgadas – mas, a verdade, é que aqui só transcrevemos, não romanceamos, ouviu?!

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