– Ele não me atende – barafustou Fernando, puxando
uma cadeira para se sentar. – Estou farto de lhe ligar e ele não me atende.
O amigo esperou que ele se sentasse e pousasse o
telemóvel e gracejou:
– Ó Fernando, deixa-me que te diga, pá, mas isso
de ires ver a bola à borla, a convite da Galp, foi uma ideia de merda, meu.
– Se fosses tu, não ias? – atirou o Fernando,
irritado.
– Se fosse eu, ninguém me convidava – respondeu
o amigo com um risinho.
– Mas se fosses, não ias, Luís? Qual é o
problema? Qual é a merda do problema?! Fui ver um jogo, pá. Um jogo da selecção!
Como é que alguém há-de achar que isso me condiciona seja para o que for, não
me explicas?
– Se tu não percebes por ti não vou ser eu…
– Bardamerda, Luís. Tu conheces-me, pá, achas
que isso me faz alguma diferença?!
– E o teu chefe?
– O meu chefe, o quê?
– Já lhe ligaste?
– A quem?... Ao Costa?
– Sim, não é ele o teu chefe?
O Andrade fez uma careta e evitou a pergunta:
– Já, já falei com ele – respondeu.
– E?
– Ele é que me mandou ligar ao João.
– Para quê?
– Para que é que achas que há-de ser? Para que
ele decida.
– Se tu ficas?
– Sim.
– Ele é que decide?
– É, ele é que é o Comissário Strelnikov cá do sítio,
a única diferença é que não decide sozinho. A Ana Catarina e o Pedro Nuno também
decidem e o Strelnikov também ausculta o Bloco.
– E o Costa?
– Faz o que lhe dizem.
– E o Centeno, tu és secretário de estado dele, o
gajo não tem voto na matéria?
O Andrade olhou-o espantado, suspirou ainda
composto mas desmanchou-se numa gargalhada alarve.
– Só tu, pá…. – disse sem parar de rir. – Só tu
para me fazeres rir a esta hora… O Centeno…
– E o IMI? – interrompeu o amigo como se tivesse
tido uma epifania.
– O IMI, o quê? – O Andrade parou de rir e dirigiu-lhe
um sorriso malicioso que fez por mostrar que escondia.
– Esta história do IMI, do sol e das vistas… – O
amigo ficou subitamente sério com a certeza que a epifania era correcta. – Isto
foi para te proteger?! Isto foi para lançar uma cortina de fumo, para dizerem
que há má-fé em quem te está agora a atacar?
O Andrade não confirmou mas voltou a sorrir.
– Vocês já sabiam que isto ia sair?!
O Andrade riu-se:
– O Sterlnikov e a Cersei sabem tudo, pá. Tudo!
– A Cersei?
– A Fernanda.
– Então porque é que queres falar com ele? Isso não está já tudo decidido e manobrado?
– Isto é sempre dinâmico, pá, e, às vezes, só no
fim é que tu vês o filme todo. Tudo isto foi-me apresentado como a minha melhor
defesa mas…
– Até ao lavar dos cestos é vindima!
– Pois e eu não sou dono dos cestos, nem da
vinha, nem sou especialmente necessário para os jogos deles. No fim, isto foi tudo muito bem arranjadinho e tal mas não foi necessariamente para mim... – O Secretário de Estado olhou para o telemóvel inerte em cima da mesa e respirou fundo. – Mas, em princípio, é. É para mim.
– Mas, se ficares... – Luís tentou lembrar-se de
uma personagem shakespeariana qualquer para ilustrar o que ia dizer mas
não tinha cultura que chegasse para isso e recomeçou: – Mas, se ficares, ficas
agarrado a eles, completamente agarrado a eles…
Fernando anuiu levemente com a cabeça, sem embaraço ou preocupação.
– O tempo novo é velho, pá – concluiu o amigo,
abanando a cabeça.
– Velhíssimo, meu caro. Velhíssimo como o mundo.
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