quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Cinesiologia Amadora Localizada

Cavalheiresco, ele abre-lhe a porta e deixa-a sair à sua frente. Ela vira-se para trás, para agradecer e despedir-se, e depara-se com ele a admirá-la, com uma expressão imbecil e um sorriso demasiado adocicado.
– É mais alguma coisa? – pergunta ela, incomodada. Ele abana a cabeça sem tirar o sorriso. Ela insiste: – Então, para que é esse sorrisinho peganhento?
O sorriso desfaz-se quase num beicinho de inocência e o homem declara num tom magoado: – Estava só a olhar para ti…
– Ah… – A mulher dá um passo para o meio do passeio e roda lentamente sobre si própria. – E agora, já viste tudo?
– Eu estava só a olhar, Cristina. Não é preciso seres tão teatral.
– Eu é que sou teatral?! Tu com um sorrisinho lambido e olhos de carneiro mal-morto e eu é que estou a ser teatral?
– Eu só estava a sorrir, Cristina, e estava a sorrir porque estava a gostar…
– Do que estavas a ver? – interrompe-o ela.
Ele confirma em silêncio, escondendo (mal) um sorriso matreiro que quer que ela veja.
A mulher abana a cabeça, franze a cara e respira fundo pelo nariz.
– Vai-te lixar, Jorge. Quem não te conheça que te compre.
– Não posso apreciar a minha ex-mulher, é isso?
– Não, com um sorrisinho desses, não! Parece mal. Principalmente, se a tua ex-mulher estiver a ver. – A mulher sorri. O homem não. Ela continua: – Queres apreciar, sonhar e ficar com um sorrisinho idiota tens de o fazer quando a tua ex-mulher te virar costas…
– Sorrio para as tuas nádegas?
– É o que os homens normais fazem…
– Estás de costas, como é que sabes?
A mulher encolhe os ombros, vira-se e afasta-se.
– Sei – responde, sem parar, depois de dar cinco passos. – Nós sabemos, Jorge – e segue, sem se despedir ou olhar para trás. – Nós sabemos.
Compenetrado a estudar determinadas características e efeitos localizados do andar da ex-mulher a afastar-se, o cinesiológico amador já não a ouve.


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