– Estás diferente.
– Diferente?
– Sim, estás diferente.
– Só se for por ter pintado o cabelo.
– Não estou a falar do teu aspecto exterior.
– Ah… Não? Estás a falar de quê?
– Sabes muito bem: estás diferente.
– Não, não sei. Se não é do cabelo, não sei. Tens de me explicar.
– Tu sabes… e também deves saber porque estás diferente.
– Não só estou diferente, como sei porque estou diferente.
– Sim.
– E se eu não tiver dado por isso?
– Deste, de certeza que deste. As pessoas quando ficam diferentes
percebem-no e sabem porque ficaram diferentes.
– Talvez o meu anterior eu soubesse mas este agora não. Se eu agora
sou este eu, não estou diferente, sou eu. Não há dois eus.
– No espaço, não. No tempo, sim. Estás diferente em relação ao que
eras.
– Mas já não sou…
– Não. Por isso é que estás diferente.
– Pintei o cabelo.
– Não estou a falar disso, já disse. Estou a falar de algo mais
interior, mais profundo.
– Também mudei a forma da minha depilação. Só se é isso… Fiz um triângulo.
– Um triângulo?
– Um triângulo. Um triângulo invertido.
– Um triângulo invertido?
– Sim, mas pequeno. Mínimo. Um triângulo minimal repetitivo… Achas que
é isso?
– Repetitivo?
– Não… repetitivo não, era só uma piada. É só minimal. Um triângulo minimal
invertido. Será isso?
– O quê?
– O que me faz estar diferente no tempo mas não no espaço. Não há duas
depilações no mesmo espaço. Ou há uma ou há outra, nisso tens razão. É isso?
– Não, acho que não.
– Mas isso é interior.
– Mas não é disso que estou a falar. E a depilação não é interior.
– Interior no sentido de intima. Não era nesse sentido que estavas a
dizer que eu estava diferente? No meu intimo?
– Sim, estás diferente, mas no teu íntimo, não na tua intimidade.
– Isso agora poderia levar-nos muito longe… mas, é melhor ficarmos por
aqui. Se não é o cabelo, nem a depilação, afinal, estou diferente em quê?
– Diferente.
– Só diferente?
– Diferente.
– Diferente…Não sei porquê…
– Mas estás.
– Desde quando?... O meu eu que é o meu eu de referência é de quando?
Quando é que estabeleceste o meu eu de referência, o meu eu com que todos os
meus outros eus se comparam?
– Vês?
– O quê?
– Isso é um sinal da diferença.
– Eu não saber que estou diferente, nem diferente em relação a quê,
nem a quando?
– Esta conversa.
– Esta conversa é o sinal?
– Sim.
– Então, que tipo de conversa é que o meu eu anterior teria quando lhe
dissessem que estava diferente?
– Não…
– Não me digas: não era esta conversa.
– Pois não.
– Era outra?
– Não necessariamente.
– … Agora é que me apanhaste! O meu anterior eu também podia ter esta
conversa?... Não estou a perceber.
– Se tu não estivesses diferente, nós não tínhamos esta conversa.
– Ah!... Bolas. Está visto que não tenho hipóteses. A diferença já
está estabelecida. Fosse o que fosse que eu dissesse, só o diria, ou digo,
porque estou diferente. É isto, não é?
– É. Com toda a franqueza, é. Eu só estava a constatar um facto…
– Não estavas a pedir a minha opinião.
– Não.
– Nem é um facto sujeito a contraditório. Estou diferente ponto final.
– Pois.
– Ah!... Agora que sabemos as duas que estou diferente, que isso está
assente de forma inquestionável, só não percebi uma coisa…
– O quê?
– Estou diferente para melhor ou para pior?
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;-)
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