Movendo o copo de whisky em pequenos círculos sobre o tampo da
mesa, Marco lançou a Fátima um olhar lânguido e acenou ligeiramente com a
cabeça, reforçando o convite que acabara de fazer. Fátima fixou-o com uma
expressão enigmática e aproximou-se devagar, sempre a sorrir mas sem mostrar os
dentes.
Marco engoliu em seco, sentiu uma fraca pontada de excitação na
zona dos rins, as pontas dos dedos a arrefecerem e um aperto no peito que lhe esmagava o optimismo. Levou o copo à boca para se defender. Estava
nervoso e apetecia-lhe rir. Mais, apetecia-lhe ser directo e dizer que já
não tinham idade para olhares lânguidos e expressões enigmáticas nem aquele era
o sítio certo para isso mas calou-se, pousou, diplomaticamente, o
copo vazio e perguntou num tom aveludado:
– Vamos?
Fátima olhou-o desemparelhando as sobrancelhas, a esquerda subiu e
a direita desceu, e, ainda com os lábios cerrados, tornou a sorrir, um sorriso
ligeiro mas cheio de troça e malícia. Marco voltou a engolir em seco, tentando
desmobilizar o aperto no peito que, alastrando, já o sufocava, e lembrou-se de
Carolina, que, se ali estivesse, havia de abanar lentamente a cabeça para o
desmoralizar e dizer-lhe que era imprestável, e de Aníbal, que
insistira que ele ali fosse para esquecer a Carolina e seguir em frente.
– Eu sou amigo do Aníbal – disse ele, hesitante.
– Ah… O amigo do Aníbal – troçou Fátima com uma careta. Ele
confirmou baixando a cabeça. Ela sentou-se ao seu lado e perguntou: – E foi ele
que te disse para vires ter comigo? – Marco repetiu o gesto. Fátima inspirou
pelo nariz, passou a mão esquerda pela franja e fez menção de se levantar. –
Estás pronto, tens a certeza?
– Não sei – confessou Marco num fio de voz. – Sinceramente, não
sei. – A mulher continuou sentada e olhou-o pela primeira vez com algum interesse. Ele reparou, ganhou alento e acrescentou: – O Aníbal é que insistiu
que viesse mas eu acho que não estou preparado…
– Há uma mulher – disse Fátima, com um sorriso simpático e
compreensivo. Ele confirmou com uma expressão conformada e triste. A mulher
endureceu o tom mas não a expressão: – E o Aníbal, esse parvo, mandou-te cá vir
para a esqueceres… – Marco baixou a cabeça como se sentisse culpado e arrependido
por ter obedecido. Fátima deu uma gargalhada ligeira, encolheu os ombros,
sorriu-lhe com um sorriso encantador e concluiu: – O homem tem a mania que tudo
se resolve com sexo, que o sexo é um remédio. Não é mau diabo mas é um bocado
alucinado… e insistente. – Marco concordou e devolveu-lhe o sorriso. Fátima
suspirou e parou de rir. – Mas não é aqui que vais resolver os teus problemas,
sejam eles quais forem ou com quem forem.
– Ana – anunciou Marco e levantou-se, decidido. – Ela chama-se
Ana. – Fátima sorriu mas continuou sentada. – E eu Bruno. – Apresentou-se ele
enquanto a mulher se levantava.
A mulher ficou em pé à sua frente, com o rosto quase encostado ao
seu.
– Muito prazer, Bruno. Eu sou a Beatriz – disse a mulher,
inclinando-se para ele e dando-lhe um ligeiro beijo na face. – Vamos? –
Murmurou-lhe ao ouvido.
Ele esperou que os seus rostos estivessem frente a frente e, num movimento brusco, beijou-a.
Ela afastou-o com um empurrão, fazendo-o cair no sofá.
– O Aníbal deve ter-te dito que eu não beijo, Marco – disse ela,
realçando o nome.
– Ele disse-me que tu normalmente não beijas, Fátima – respondeu
ele, sublinhando o nome –, não disse que tu não beijavas ou que…
– Achaste que era um desafio? – Interrompeu ela.
Marco confirmou com um “Pois” convicto mas pouco audível.
– E porque é que não disseste que te chamavas Marco?
– Porque... – Ele calou-se e reconheceu: – Não sei.
Fátima sorriu, abanou a cabeça, aceitando a falta de explicação e
estendeu-lhe mão para o ajudar a levantar.
– Prometes que não me tentas beijar? – Perguntou-lhe enquanto o
puxava.
Marco pôs-se de pé, mordeu o lábio inferior, riu-se e respondeu
olhando ostensivamente para a boca dela:
– Posso tentar mas não posso prometer.
Ela inclinou a cabeça, fixando-se nos lábios dele, hesitou um
momento e propôs:
– Prometes que não dizes ao Aníbal se eu te beijar?
– Se tu prometeres não dizer à Ana.
– À Carolina – corrigiu ela, piscando-lhe o olho.
– Se tu prometeres não dizer à Carolina – rectificou ele. – O
Aníbal contou-te tudo, não foi?
– Mais do que eu queria saber…
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