– Tenho de te
dizer qualquer coisa? – Perguntou a mulher, torcendo ligeiramente os lábios, depois de o ouvir falar durante mais de cinco minutos.
O homem olhou
para ela e não respondeu; encolheu os ombros, esboçou um sorriso conformado
que, no entanto, contradisse: – Se quiseres.
– O quê?
– O que
quiseres.
– Não é isso –
esclareceu ela. – Eu sei que posso dizer alguma coisa se quiser. O que eu
queria saber era o que querias que eu te dissesse.
O homem encolheu
os ombros e não escondeu uma careta de aborrecimento.
– Eu quero que
digas o que quiseres. O que achares que deves dizer. Se quiseres dizer alguma
coisa… – O homem calou-se, tirou um maço de tabaco do bolso do casaco e,
enquanto o abria e extraía um cigarro, murmurou: – Não quero que me digas o que
eu quero ouvir.
– Não podes
fumar – anunciou a mulher, peremptória.
– Nã0? – Os
olhos do homem não se decidiam entre o maço numa mão, um cigarro na outra e os
olhos castanhos da mulher, que pareciam ter ganho um novo brilho.
– Não, aqui não
podes fumar – repetiu a mulher. “E não encolhas os ombros, por favor”, pediu a
mulher em pensamento.
O homem guardou
o maço no bolso de onde o tirara mas ficou com o cigarro na mão. – Nem à
janela? – perguntou. – Eu costumo fumar à janela.
A mulher acenou
com a cabeça que não. – Mas precisas mesmo de fumar? – inquiriu.
Ele olhou para o
cigarro, preso entre o indicador e o dedo médio da mão direita como se já
estivesse a ser fumado, suspirou e abanou a cabeça para cima e para baixo.
– Então, tens de
ir à rua – disse ela, num tom meramente informativo.
– E a nossa
conversa? – inquiriu ele, sem deixar de olhar para o cigarro.
– A nossa
conversa? – A mulher fixou-o, sem simpatia. "A nossa conversa foi mais um monólogo..." – A nossa conversa acabou. Tens de
ir fumar, não é?
– Mas podemos
continuar quando eu voltar… – sugeriu ele, pouco à vontade.
– Sim, claro. –
Ela mostrou-lhe um sorriso irónico, a acompanhar o tom sarcástico e um olhar cáustico.
– Claro que sim. Entretanto eu aproveito e vou pensar no que tu queres ouvir.
– Eu não quero
ouvir nada – indignou-se o homem.
– Ah… – A mulher
ergueu as mãos num gesto teatral. – Mas, assim, é muito melhor: tu não queres
ouvir nada e eu não te quero dizer nada. O que poderia ser melhor que isso?
– E não vais
dizer nada sobre aquilo que eu te disse?
Ela abanou a
cabeça negativamente. – Não – reforçou.
– E ficamos
assim? – insistiu ele, com ar incrédulo.
– Não, eu fico
assim, tu vais ficar com mais nicotina e alcatrão nos pulmões. São escolhas.
– E não me dizes
nada?
– Não, tu és maior e vacinado, fumas se quiseres. Eu não tenho nada a
dizer a isso.
– Eu não estava
a falar do tabaco.
– Eu calculei
que não estivesses.
– Mas…
– Mas nada –
interrompeu a mulher, sem paciência. – Tu não tinhas de ir fumar?
– Posso ir
depois – respondeu o homem.
A mulher apontou
para o cigarro e pediu-o com um gesto. O homem estendeu-lhe a mão com o
cigarro. Ela tirou-lho.
– Tens lume? – perguntou.
O homem, sem outra
reacção, tirou um isqueiro do bolso e deu-lho.
– Afinal eu é
que vou ficar com a nicotina e o alcatrão – disse ela, encaminhando-se para a
porta do gabinete. – Quando saíres apaga a luz – e saiu.
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