O Jantar
– Não penses mais nisso – disse a mulher, sorrindo enquanto lhe
passava os dedos pelo cabelo.
Ele, que tinha a cabeça pousada no colo dela, olhou para cima,
suspirou e sorriu de volta.
A mulher baixou a cabeça, esperou que ele subisse a sua e
beijaram-se.
– Não é justo, Adriana – queixou-se ele, quando tornou a pousar a
cabeça. – Não é justo.
– As coisas são o que são, Mário.
– Eu não comi nada – lamentou-se o homem –, nem ontem, nem
anteontem.
– Comeste hoje – respondeu Adriana, com um sorriso cheio de
segundas intenções.
– Estava a trabalhar – disse ele, sem notar o sorriso.
– E trabalhaste bem…
– Eu não estava a falar disso – reclamou o homem, com ar sério. –
Eu estava a falar de comer comer. Do almoço. Hoje almocei porque estava a
trabalhar.
– Eu sei.
– No sábado e no domingo não comi nada. Não almocei, nem jantei.
– Oh… coitadinho. – A mulher fazia por esconder um sorriso trocista
mas os olhos, brilhantes de gozo, denunciavam-na.
Ele ergueu o tronco e sentou-se ao lado dela e, sempre com o mesmo
ar sério com que antes reclamara, fechou os botões da camisa que estavam
abertos, passou a mão pelo cabelo para se compor e levantou-se, enfiando as
fraldas da camisa nas calças, abotoando-as e fechando o cinto.
– Vais-te já embora? – perguntou a mulher, olhando para o relógio
de pulso.
– Vou. – Respondeu secamente o homem, baixando-se para atar os
sapatos. Atou o sapato esquerdo e, como se fosse afligido por um súbito escrúpulo,
justificou: – Quero chegar a casa antes dela começar a fazer o jantar. Sempre
quero ver se ela não me vai fazer comer outra vez.
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